Formação e competências docentes à luz das teorias Freireanas


Teacher training and competencies in the light of Freirean theories


Formación y competencias del profesorado a la luz de las teorías freireanas


Brena Menezes Lima

Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil

brenamlima23@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3994-9734


Lídia Eugênia Cavalcante Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil cavalcantelidiaeugenia@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3190-6900


Submetido em: 16/04/2023 Aceito em: 25/10/2023 Publicado em: 11/12/2023


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Como citar este artigo:


LIMA, Brena Menezes; CAVALCANTE, Lídia Eugênia. Formação e competências docentes à luz das teorias Freireanas. REBECIN, São Paulo, v. 10, dossiê temático, p. 01-19, 2023. DOI: 10.24208/rebecin.v10.368


RESUMO


É de conhecimento de educadores e pesquisadores a importância da formação docente e do desenvolvimento de competências necessárias à prática pedagógica. Paulo Freire aborda, em suas obras, a importância de uma educação libertadora e emancipatória, e traz a construção de um pensamento educacional libertador, que possa transformar qualquer cidadão em um pensador crítico, hábil a indagar o mundo e a sociedade a qual está inserido. O presente trabalho caracteriza-se como estudo de natureza bibliográfica através das principais obras de Paulo Freire, Pedagogia do oprimido (1968), Educação como prática de liberdade (1967), Importância do ato de ler (1981), Pedagogia da esperança (1992) e Pedagogia da autonomia (1996). Objetivou-se refletir sobre as contribuições das teorias freireanas para a formação docente, no que concerne aos estudos sobre competência. Infere-se que, apesar do termo competência docente ser mais utilizado de forma técnica, Paulo Freire tratou deste tema em suas obras de forma humanizada e humanizadora, essenciais à constituição dos saberes docentes e de suas ações junto aos discentes.


Palavras-Chave: Formação docente; competências docentes; Paulo Freire.


ABSTRACT


Educators and researchers are aware of the importance of teacher training and the development of skills necessary for pedagogical practice. Paulo Freire, addresses in his works, the importance of a liberating and emancipating education and brings the construction of a liberating educational thought, capable of transforming any citizen into a critical thinker, able to question the world and the society in which he is inserted. The present work is characterized as a bibliographical study through the main works of Paulo Freire, Pedagogy of the Oppressed (1968), Education as a Practice of Freedom (1967), Importance of the Act of Reading (1981), Pedagogy of Hope (1992) and Pedagogy of autonomy (1996). The objective was to reflect on the contributions of


Freirean theories to teacher training, with regard to studies on competence. It is inferred that despite the term teaching competence being more technically used, Paulo Freire dealt with this theme within his works in a humanized and humanizing way, essential to the constitution of teaching knowledge and their actions with students.


Keywords: Teacher training; teaching skills; Paulo Freire.


RESUMEN


Los educadores e investigadores son conscientes de la importancia de la formación docente y del desarrollo de las competencias necesarias para la práctica pedagógica. Paulo Freire, aborda en sus obras, la importancia de una educación liberadora y emancipadora y trae la construcción de un pensamiento educativo liberador, capaz de transformar a cualquier ciudadano en un pensador crítico, capaz de cuestionar el mundo y la sociedad en la que está inserto. El presente trabajo se caracteriza por ser un estudio bibliográfico a través de las principales obras de Paulo Freire, Pedagogía del Oprimido (1968), La Educación como Práctica de la Libertad (1967), Importancia del Acto de Lectura (1981), Pedagogía de la Esperanza (1992). ) y Pedagogía de la autonomía (1996). El objetivo fue reflexionar sobre los aportes de las teorías freireanas a la formación docente, en lo que respecta a los estudios sobre competencias. Se infiere que apesar de ser más tecnificado el término competencia docente, Paulo Freire abordó este tema dentro de sus obras de forma humanizada y humanizadora, esencial para la constitución del saber docente y su actuación con los alumnos.


Palabras clave: Formación de professores; habilidades de enseñanza; Paulo Freire.


  1. INTRODUÇÃO


    Tanto na Educação quanto na Ciência da Informação (CI), o estudo das competências tornou-se um dos vieses mais recorrentes no que concerne às pesquisas científicas de ambas as áreas. Nessa perspectiva, este estudo busca compreender o caminhar das competências docentes à luz das contribuições de Paulo Freire, com o intuito de colaborar com esse diálogo e reflexões na CI, na qual o referido autor é constantemente citado como referência teórica necessária à compreensão desse tema.

    Para falar de competências docentes, recorrer às ideias de Paulo Freire, com suas contribuições referentes às práticas e teorias acerca da formação de professores, torna-se fundamental. Com esse pensamento, buscamos, neste texto, desenvolver um diálogo sobre competências fundamentado nas obras desse pensador.

    Em suas principais obras, Freire preocupa-se com a construção de um pensamento educacional libertador e autônomo, que leve às pessoas a desenvolverem um olhar crítico da realidade em que vivem, ou seja, mobilizando saberes para o entendimento crítico e consciente do papel da educação e do valor da informação para o exercício pleno dos direitos humanos e de cidadania.

    As discussões aqui propostas buscam refletir sobre as contribuições das teorias freireanas para a formação docente, no que concerne aos estudos sobre competência. Metodologicamente, trata-se de estudo de natureza bibliográfica – a partir de um recorte de uma pesquisa de mestrado em Ciência da Informação, que tem como objetivo compreender quais são as competências em informação necessárias ao exercício profissional de professores que exercem suas


    atividades em instituições de ensino superior, pesquisa esta ainda em desenvolvimento.

    Entendemos que a pesquisa bibliográfica apresenta contribuições à compreensão de determinada temática proposta, especialmente para a identificação dos caminhos e abordagens que serão seguidos pelo pesquisador. Outrossim, como parte inicial do trabalho investigativo, as trocas de experiências com a realização deste tipo de estudo podem contribuir com o diálogo e a pluralidade do fazer científico.

    As principais obras de Freire aqui referenciadas são: Educação como prática de liberdade (1967), Pedagogia do oprimido (1968), Importância do ato de ler (1981), Pedagogia da esperança (1992) e Pedagogia da autonomia (1996). A partir delas, buscamos apresentar teorias, conceitos e práticas discutidas pelo autor, e como essas contribuíram para a formação das competências docentes.


  2. PAULO FREIRE E A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO- EDUCACIONAL


    Paulo Freire (1921-1997) tornou-se patrono da Educação Brasileira desde 13 de abril de 2012, por meio da Lei n0 12.612/12. Esse reconhecimento se deve às suas contribuições para o desenvolvimento da consciência crítica através de educação inovadora, libertadora e autônoma, o que lhe rendeu inclusive o Prêmio da Unesco de Educação para a Paz, cujo trabalho é reconhecido no mundo inteiro.

    Percorrendo a trajetória de suas obras, identificamos que a luta pela inclusão e emancipação dos sujeitos por meio de uma pedagogia crítica seria, segundo ele, essencial no combate às injustiças sociais e


    para a emancipação política e social. Nessa perspectiva, Freire constrói um pensamento político-educacional que perpassa todas as suas ideias e discussões.

    Na obra Educação como prática de liberdade (1967), Paulo Freire trata da educação como forma de liberdade, ou de alcançá-la. O livro foi publicado no Chile, durante o período de exílio do autor naquele país, face à ditadura militar no Brasil. Nessa obra, Freire busca apresentar o seu método de alfabetização de adultos, através de discussões de cunho político, histórico e filosófico. Ele entende que há necessidade de conscientização e participação do povo brasileiro para a construção de um país democrático, e que isso deveria ocorrer por meio de uma educação libertadora. É importante salientar que as ideias freireanas acerca de uma revolução social estão situadas em contexto profundamente complexo, tendo em vista a situação política vivenciada no Brasil, especialmente a partir da segunda década de 1960.

    Para Freire (1983, p. 94),


    [...] a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da qual se substituísse no Brasileiro, antigos e culturológicos hábitos de passividade, por novos hábitos de participação e ingerência, de acordo com o novo clima da fase de transição.

    Freire aborda a educação como forma de humanização, de conscientização e de libertação pois, segundo ele, é através do conhecimento que se pode desenvolver o pensamento crítico e quebrar barreiras preexistentes, relacionadas às desigualdades sociais e ao direito à educação. Como ressalta Cavalcante (2016, p.4), “Enquanto educador, Freire se recusava a praticar uma pedagogia de reprodução,


    distante da reflexão sobre a realidade política e a condição humana de seus educandos.”

    A pedagogia do oprimido (1968), mesmo após 55 anos de sua primeira publicação, é continuamente citada como referência para estudos que discutem a relevância de uma educação libertadora e crítica. Esse livro é considerado a sua obra mais importante, tornando- se marco na educação brasileira por seu caráter revolucionário. Também escrito em período de exílio, nesse segundo texto, Freire dá continuidade às teorias iniciadas na obra mencionada anteriormente. Em perspectiva dialógica, ele discute educação e política numa concepção libertária e revolucionária, pois


    Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica permanente. (Freire, 1981, p.57).


    Ao estabelecer bases pedagógicas oriundas das experiências e vivências dos sujeitos, Freire advoga que é essencial que a educação não transforme o aluno em mero reprodutor de informação – base de um ensino opressor e bancário, que absorve conhecimentos sem questionamentos ou posicionamento político. (Cavalcante, 2016).

    Ainda referenciando A Educação como Prática de Liberdade, ressalta-se que a opressão vem da subserviência imposta pelos opressores aos oprimidos. Esta relação está presente em todos os espaços da sociedade.

    Em Educação como prática de liberdade (Freire, 1967, p. 37), “A libertação, por isto, é um parto. É um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela


    superação da contradição-oprimidos, que é a libertação de todos.” Assim, um dos pontos principais dessa obra é o de que apenas o oprimido é capaz de libertar-se. Representações não são suficientes se o povo não for essa representação, pois senão, estes se tornarão opressores ao invés de libertadores.

    Em A importância do ato de ler (1981), Freire apresenta a própria trajetória educativa, que parte da sua inserção no mundo, desde a infância, ao transitar por memórias afetivas e suas relações com o conhecimento do mundo. Essa obra traz a junção de três artigos do autor. O primeiro de mesmo nome do livro apresentado no Congresso Brasileiro de Leitura em 1981, o segundo Alfabetização de adultos e bibliotecas populares – uma introdução, apresentado no XI Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD) em 1992, e o artigo sobre sua experiência de alfabetização em São Tomé e Príncipe.

    No primeiro artigo, Paulo Freire trata sobre a leitura da palavra e a leitura do mundo. Sendo essas duas diferentes, porém complementares. A leitura do mundo vem antes da leitura da palavra que é a compreensão do mundo ao redor, dos objetos, dos acontecimentos, das pessoas e seus significados. A leitura do mundo é construída a partir de suas memórias e vivências.

    No segundo artigo, Freire aborda a alfabetização de adultos e o papel das bibliotecas populares, ressaltando “A compreensão crítica da alfabetização, que envolve a compreensão igualmente crítica da leitura, demanda a compreensão crítica da biblioteca” (Freire, 1981, p. 15). Nesse texto, o autor aborda a importância de não reproduzir a ideia de que o aluno é uma página em branco, que nada sabe e que o professor está ali para lhe passar todo o conhecimento necessário. O aluno traz


    suas vivências e conhecimentos adquiridos ao longo da vida, especialmente na educação de adultos. O professor, neste caso, tem papel de mediador do conhecimento, por isso Paulo Freire busca tratar a educação com visão política, no sentido social, de compreensão da sociedade.

    Já o último artigo, trata sobre a experiência da alfabetização de adultos em São Tomé e Príncipe, onde aborda a metodologia utilizada nesse trabalho, colocando em prática suas teorias e conhecimentos. Principalmente na formação de adultos, Paulo Freire discorre sobre a importância da identidade, da representação, da “informação formadora”. Pala ele, “A alfabetização de adultos enquanto ato político e ato de conhecimento [...] são expressões de reconstrução nacional em marcha” (Freire, 1981, p. 24, supressão nossa).

    Contribuir com a construção de consciência crítica por meio da informação e da educação ainda hoje não se constitui tarefa fácil. São muitas as barreiras que se elevam, tendo em vistas as situações de opressão e de desigualdades sociais historicamente sistematizadas no Brasil, geradoras de exclusão e promotoras de violência contra populações vulneráveis.

    A Pedagogia da Esperança (1992) é quase a continuação de Pedagogia do Oprimido, com a diferença de que desta vez o autor traz, em um formato de conversa aberta com seu leitor, suas ideias e concepções alcançadas ao longo dos anos que separam uma obra da outra. Essa obra defende a esperança de que a educação é transformadora. E essa é a causa defendida por Freire em todas as obras.


    Em Pedagogia da autonomia (1996), Freire aborda questões importantes para a prática docente, sempre enfatizando também a teoria que alicerça a prática. Dividido em três capítulos: Não há docência sem discência, Ensinar não é transferir conhecimento e Ensinar é uma especificidade humana, o autor apresenta ideias para o desenvolvimento da prática docente pensando no melhor aproveitamento do aluno, como por exemplo, oportunizar o conhecimento, não fazer das aulas apenas uma chuva de conteúdos para memorização. Outro aspecto importante tratado é a educação continuada do professor, que deve sempre buscar aprimoramentos, atualizações e competências para transformar os desafios em aprendizagem.

    Mediante o estudo dessas cinco obras podemos observar como o pensamento de Paulo Freire é atual e necessário para pautar a educação como prática de liberdade. A pedagogia que ele propõe e defende é a pedagogia do conhecimento crítico. Educação, portanto, que busca desenvolver o aprendizado ao longo da vida e a capacidade de entender o ambiente no qual o educando está inserido, com autonomia e criticidade.


  3. AS TEORIAS FREIREANAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES ÀS COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS PARA FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE


Pesquisadores, gestores e governos têm grande interesse na formação de professores. De forma evidente, cada setor vê essa temática sob prismas diferentes. Enquanto pesquisadores dedicam-se


aos estudos teórico-metodológicos relativos à docência e suas práticas, gestores e governos evidenciam discussões no âmbito das políticas públicas de formação e diretrizes que regem o trabalho do professor. Obviamente, isso não ocorre de forma linear ou em departamentos, é preciso destacar a multidisciplinaridade que une essas esferas. Assim, é unindo estudos teóricos, metodológicos, políticos e sociais que o campo educacional busca orientar estratégias e ações para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem de qualidade.

Desse modo, a formação de professores apresenta seus resultados diretamente no desempenho dos estudantes. Após essa constatação, é possível perceber a importância e a necessidade de se investir na formação de professores, não apenas em termos financeiros, mas na qualidade e no conteúdo dessa formação, especialmente no âmbito das políticas públicas.

Paulo Freire, ao dialogar sobre o papel docente na educação, apresenta diversos princípios necessários ao processo de formação do professor e desenvolvimento competente de sua prática. Esse, portanto, é um dos aspectos importantes na educação que Freire dá ênfase, já que o considera essencial para o desenvolvimento de uma ação educativa de qualidade.

Abordagens sobre o saber-fazer docente estão presentes desde suas primeiras obras. Em Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente, o autor busca agrupar o tema da docência. A ideia de educação permanente de Freire veio através do pensamento de que o indivíduo é um ser em construção, em constante evolução e aprendizado.


A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí. (Freire, 1991, p.3)


Paulo Freire pregava que a formação permanente de educadores deveria ocorrer dentro dos espaços escolares, no âmbito da coletividade, das trocas e experiências, com o intuito de avaliar a prática pedagógica. Nesse pensamento, ele considerava importante desenvolver a formação extracurricular do educador, não meramente voltada à diplomação por meio de estudos que levassem a uma educação bancária.


A formação inicial e continuada dos professores é, também, fator decisivo no processo de transformação da educação. Uma formação que oportunize a reflexão sobre as concepções e práticas educativas pode levar o professor a ressignificar sua ação pedagógica e tornar-se ele próprio fomentador engajado na proposta de transformação educacional e social. (Mariani; Carvalho, 2009, p. 2413).


A formação docente, neste caso, diz respeito ao autoconhecimento de sua prática e de suas necessidades para exercê- la, buscando sempre aprimorá-la, conforme argumenta Freire (1996, p.14) “sobre a prática educativo-progressista em favor da autonomia do ser educando”.

A autonomia é abordada de forma a tornar possível que o discente se perceba como um pensador crítico, que compreende a informação e


consegue utilizá-la criticamente em seu cotidiano, sendo capaz de questionar situações e contextos vividos.

Freire destaca em a Pedagogia da autonomia algumas exigências para o bom desenvolvimento da docência, sendo uma delas o de “estabelecer uma relação entre os saberes curriculares fundamentais e experiência social dos alunos como indivíduos" (Freire, 1996, p. 17). Nesse sentido, as experiências vivenciadas pelos estudantes são significativas à obtenção de competências críticas da informação em oposição à educação bancária.

Para Silva (2005, p. 5),

A formação continuada de professores, deve incentivar a apropriação dos saberes pelos professores, rumo à autonomia, e levar a uma prática crítico-reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da escola e os saberes derivados da experiência docente.


A autonomia, neste caso, é necessária ao desenvolvimento da docência, na prática e no reconhecimento e aceitação das experiências de cada sujeito. Assim, o docente precisa ser crítico e reflexivo sobre a sua prática pedagógica. Dessa forma, a troca de experiências e reflexões dentro do ambiente escolar pode proporcionar ganho conjunto em suas competências relativas à docência e na vida dos educandos.

O termo competência é utilizado em áreas do conhecimento para definir habilidades do indivíduo relacionadas à realização de ações diversas de forma satisfatória. Na educação, o termo competência docente é aplicado para tratar sobre as habilidades do professor em relação à sua prática pedagógica, envolvendo não apenas a transferência de conhecimento, mas o desenvolvimento de habilidades necessárias ao ensino.


Paulo Freire, ao abordar a importância das competências docentes, destaca que é necessário não se prender à transferência ou reprodução do conhecimento. Outrossim, se faz essencial a escuta afetiva para compreender e auxiliar os educandos na escolha do caminho que evidencie uma educação política, social e ética, princípios esses que fazem parte das definições de competências.

Hashizume e Nogueira (2022, p. 8) abordam as competências através das teorias de Paulo Freire, de modo a refletir sobre onde estão/serão aplicadas e qual é o impacto para a aprendizagem.


A competência do professor perpassa, a partir do olhar de Paulo Freire, o domínio de conceitos que permitam o desenvolvimento e a aprendizagem dos educandos, capacidade procedimental de gerir tanto conhecimentos como relacionamentos interpessoais, zelando pela coletividade e mediando conflitos de aprendizagem e interpessoais. (Hashizume; Nogueira, 2022, p.8)


A formação social do aluno é aspecto com destaque nas obras de Freire, onde desenvolver o pensamento crítico através da realidade na qual o educando está inserido é um de seus principais objetivos. Esse formato de educação libertadora é o que vai permitir que ele questione seu próprio contexto e os desafios que deve enfrentar face à realidade vivida.

Fazendo referência aos estudos sobre competências, Zabala e Arnau (2014, p. 27) salientam que,

A introdução do termo competência no ensino é o resultado da necessidade de atualização de um conceito que responda às necessidades reais de intervenção da pessoa em todos os âmbitos da vida.


Em a Pedagogia da Autonomia, o pensador aborda certas exigências que ele julga como necessárias ao desenvolvimento de uma boa prática docente: ensinar exige pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, entre outros. Freire também trata sobre a exigência da segurança, da competência profissional e generosidade.

A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se exerce desta competência. O professor que não leve a sério sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. Isto não significa, porém que a opção e a prática democrática do professor ou da professora sejam determinadas por sua competência científica. (Freire, 1996, p. 47)

O docente, neste caso, não pode negligenciar sua formação, ou julgá-la suficiente. É preciso desenvolver competências humanas, profissionais e educativas. Rios (2002, p. 56) corrobora que “a competência implica, também, uma capacidade de atualização de saberes.”. Desenvolver as competências dos professores revela-se através dos atributos (conhecimento, habilidades e atitudes) que são utilizados em conjunto para alcançar o sucesso no desempenho da prática docente.

Assim, para desenvolver no aluno uma educação de qualidade, é preciso levar em consideração diversos aspectos. Em relação às competências docentes acontece o mesmo, pois é necessário atenção à formação inicial, às formações adicionais, contextos, emoções, saberes, experiências e aprendizado ao longo da vida.


Freire aponta para que a educação seja libertadora e emancipatória. Por sua vez, esta não deve aplicar-se apenas ao aluno, mas também ao docente que precisa, muitas vezes, libertar-se de suas amarras para que desenvolva as competências necessárias ao exercício da docência. Ao afirmar, em Pedagogia da Autonomia, que não existe docência sem discência, que ensinar não é transferir conhecimento e, ainda, que ensinar é uma especificidade humana, ele dialoga sobre diversos pontos que devem ser considerados para que o professor desenvolva suas competências e alcance os resultados esperados. Ou seja, uma educação emancipadora não só em relação ao discente, mas também dele mesmo.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Propusemos, neste estudo, discutir as competências docentes a partir de estudos teóricos e bibliográficos das obras de Paulo Freire, buscando compreender seus ensinamentos e como estes abordam a formação do professor em sua dialogicidade, autonomia, criticidade e potência libertadora.

A formação docente trata não apenas da educação formal, mas de todo o processo relativo aos conhecimentos adquiridos ao longo da vida, que permitam ao indivíduo desenvolver sua prática pedagógica de forma consciente e crítica, em interação com os educandos e contextos vividos.

Nesse sentido, trouxemos neste texto uma discussão sobre as competências docentes a partir das ideias de Paulo Freire ao longo de sua produção escrita e experiências político-pedagógicas. Mais


especificamente na formação do professor, essas competências devem ser identificadas, por isso torna-se necessária criticidade em relação aos saberes docentes adquiridos sobre sua prática.

Por fim, infere-se que, apesar do termo competência docente ser, em muitos casos, utilizado de forma técnica, Paulo Freire tratou desse tema em suas obras de forma humanizada e humanizadora, abordando criticamente a formação do professor, suas competências e impactos no resultado principal da ação pedagógica enquanto educação libertadora e comprometida com a formação do pensamento crítico dos educandos.


REFERÊNCIAS


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