Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho: contribuições ao Ensino sobre Patrimônio no Estado do Ceará


School of Arts and Crafts Thomaz Pompeu Sobrinho: Contributions to Teaching about Heritage in The State of Ceará


Escuela de Artes y Oficios Thomaz Pompeu Sobrinho: contribuciones a la educacional patrimonial en el estado de Ceará


Jefferson Veras Nunes

Universidade Federal do Ceará, Brasil

jefferson.veras@ufc.br https://orcid.org/0000-0003-4684-0489


Luzia Gabriela Dantas de Lima Mendes

Universidade Federal do Ceará, Brasil

gabrieladlm@hotmail.com

https://orcid.org/0009-0003-6323-2706


Submetido em: 08/03/2023 Aceito em: 29/05/2023 Publicado em: 31/12/2023


Licença:

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Como citar este artigo:


NUNES, Jefferson Veras; MENDES, Luzia Gabriela Dantas de Lima. Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho: contribuições ao Ensino sobre Patrimônio no Estado do Ceará. REBECIN, São Paulo, v. 10, p. 01-30, 2023. DOI: 10.24208/rebecin.v10.363


RESUMO


Toma a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS) como tema de investigação com o objetivo de abordar aspectos relacionados à memória e à ação pedagógica da instituição. Dirige o olhar para as disciplinas ofertadas voltadas à compreensão do patrimônio e que envolvem a temática da conservação e restauração, tratando também sobre valorização e permanência dos saberes em artes e ofícios. De cunho exploratório, tem como delineamento metodológico a pesquisa bibliográfica e documental, a partir da qual aborda aspectos históricos sobre a institucionalização da preservação do patrimônio no Brasil com a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e apresenta fatos relacionados à memória da EAOTPS, com informações históricas sobre sua concepção pelo Governo do Estado do Ceará. Na análise dos dados, discute a formação fornecida voltada à educação patrimonial, à valorização de ofícios tradicionais e à capacitação profissional oferecida nos três eixos de atuação da instituição: conservação e restauro de bens culturais, técnicas de gravura, e, artesanato. Examina o Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e identifica as diretrizes adotadas nas ações de ensino dirigidas à área do patrimônio. Conclui assinalando a contribuição da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho à valorização do patrimônio no Ceará como equipamento de referência à formação de profissionais em conservação, restauro e demais áreas das artes e ofícios no estado.


Palavras-Chave: Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS); formação profissional; ensino sobre patrimônio; artes e ofícios; patrimônio cultural.


ABSTRACT


It takes the School of Arts and Crafts Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS) as a research topic in order to address aspects related to the institution's memory and pedagogical action. It directs the gaze to the disciplines offered aimed at the understanding of heritage and that involve the theme of conservation and restoration, also dealing with the appreciation and permanence of knowledge in arts and crafts. Of an exploratory nature, its methodological design is bibliographical and documental research, from which it addresses historical aspects of the


institutionalization of heritage preservation in Brazil with the creation of the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) and presents facts related to memory from EAOTPS, with historical information about its conception by the Government of the State of Ceará. In analyzing the data, it discusses the training provided focused on heritage education, the appreciation of traditional crafts and the professional training offered in the institution's three axes of action: conservation and restoration of cultural assets; engraving techniques; and, crafts. It examines the Institutional Pedagogical Project (PPI) and identifies the guidelines adopted in teaching actions aimed at the area of heritage. It concludes by highlighting the contribution of the Thomaz Pompeu Sobrinho School of Arts and Crafts to the enhancement of heritage in Ceará as a reference equipment for the training of professionals in conservation, restoration and other areas of arts and crafts in the state.


Keywords: School of Arts and Crafts Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS); professional qualification; heritage education; arts and crafts; cultural heritage.


RESUMEN


La Escuela de Artes y Oficios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS) es el objeto de esta investigación, con el objetivo de abordar aspectos relacionados con la memoria y la actividad docente de la institución. Se centra en las asignaturas ofrecidas, que están orientadas a la comprensión del patrimonio e implican la conservación y restauración, así como la valoración y preservación del conocimiento de las artes y oficios. Su enfoque metodológico es exploratorio y utiliza la investigación bibliográfica y documental para examinar aspectos históricos de la institucionalización de la preservación del patrimonio en Brasil con la creación del Instituto del Patrimonio Histórico y Artístico Nacional (IPHAN) y presentar hechos relacionados con la memoria de la EAOTPS, con información histórica sobre su concepción por el Gobierno del Estado de Ceará. En el análisis de los datos, se discute la formación impartida en educación patrimonial, la valorización de los oficios tradicionales y la formación profesional ofrecida en las tres áreas de actuación de la institución: conservación y restauración de bienes culturales, técnicas de


grabado y artesanía. Examina el Proyecto Pedagógico Institucional (PPI) e identifica las orientaciones adoptadas para las actividades de enseñanza en el área del patrimonio. Concluye señalando la contribución de la Escuela de Artes y Oficios Thomaz Pompeu Sobrinho a la valorización del patrimonio en Ceará como centro de referencia para la formación de profesionales en conservación, restauración y otras áreas de las artes y oficios en el estado.


Palabras clave: Escuela de Artes y Oficios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS); formación profesional; educación patrimonial; artes y oficios; patrimonio cultural.


  1. INTRODUÇÃO


    O desenvolvimento de estudos relacionados às práticas preservacionistas é essencial na compreensão da história, da memória e da identidade cultural de uma sociedade. A consciência acerca da importância da construção e aplicação de saberes relacionados à salvaguarda patrimonial traz consigo a ideia de que os estados devem ter como ponto de partida o incentivo educacional e o desenvolvimento de instituições capazes de formar indivíduos com habilidades e competências específicas para atuarem na preservação do acervo histórico-cultural de um povo, de uma região ou mesmo de um país.

    Assim, direcionando o olhar para a atuação de instituições que promovem cursos ligados à formação de profissionais no campo do patrimônio no estado do Ceará, elege-se como objeto desta pesquisa a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS) e seus programas de capacitação e aperfeiçoamento. Apesar de não existirem ainda, no Ceará, espaços de educação formal com cursos dirigidos à promoção da formação em conservação e preservação do patrimônio, o


    estado conta com a colaboração de alguns organismos nessa área, dentre os quais, cabe mencionar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Biblioteca Estadual do Ceará (BECE) e a Escola Pública de Audiovisual Vila das Artes, além da própria Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho.

    No presente artigo, toma-se a EAOTPS como tema de investigação por sua contribuição à construção de saberes, em âmbito técnico e profissional, relacionados à salvaguarda de bens históricos e culturais, com programa específico de capacitação articulado às necessidades da sociedade cearense. Uma das características principais da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Sobrinho diz respeito à oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) em nível básico, abrangendo três áreas de formação: conservação e restauro de bens culturais; técnicas de gravura; e, artesanato. As ações da instituição se dirigem a jovens oriundos da escola pública, voltando-se, prioritariamente, àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

    A modalidade de ensino FIC tem como finalidade cooperar para o desenvolvimento da vida social e produtiva. Desse modo, os cursos podem ocorrer sem requisitos de grau de escolaridade, tendo amparo legal na Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Segundo assinala Oliveira (2019), os cursos FIC desempenham um papel significativo na sociedade, pois atuam em paralelo às instituições de ensino formal, visando a preparação profissional do indivíduo para o mercado de trabalho.

    Dito isso, tem-se como propósito aqui abordar aspectos relacionados à memória e à ação pedagógica da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho tomando como base os cursos oferecidos pela


    instituição e que se inserem no campo do patrimônio. Para atingir o objetivo proposto, a pesquisa se caracteriza como sendo de cunho exploratório, abarcando questões relacionadas à EAOTPS que ainda carecem de aprofundamento no território dos estudos sobre patrimônio e educação no estado do Ceará. Além disso, tendo como delineamento a pesquisa bibliográfica e documental, recorreu-se, para a realização desta investigação, a trabalhos de natureza científica, mas, também, a fontes primárias diversificadas, com dados que ainda não receberam tratamento analítico (Marconi; Lakatos, 2003).

    Nesse sentido, na fase inicial desta investigação, realizou-se a definição do conjunto bibliográfico e documental que serviu de base para a análise dos dados, considerando a pertinência dos autores estudados à temática e a importância dos documentos obtidos para se alcançar o objetivo aqui perseguido. Depois de realizada a pré-análise, a organização e o tratamento do material coletado, foram examinadas desde matérias de jornais até versões digitais e eletrônicas de documentos oficiais, dentre eles, edições do Diário Oficial do Estado, boletins informativos e relatórios de ações produzidos e disponibilizados pela Escola, bem como o seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI), atentando-se para a confiança, veracidade e fidelidade das informações ali presentes.

    A importância da presente pesquisa está, portanto, em abordar parte da história acerca do ensino sobre patrimônio no Ceará em ambientes caracterizados como “não formais”, ou seja, fora das instituições escolares regulamentares (Carrapato, 2012; Dias et al., 2019). Em linhas gerais, a organização curricular do programa de formação da EAOTPS tem como objetivo capacitar, aperfeiçoar,


    especializar e atualizar profissionais no âmbito da restauração e conservação do patrimônio, tratando também sobre patrimônio imaterial, o que reforça sua relevância social, histórica e pedagógica para o estado.


  2. ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO NO BRASIL A PARTIR DA CRIAÇÃO DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL


    Os estudos acerca da necessidade em desenvolver uma consciência social e política sobre a busca pela salvaguarda e permanência dos bens culturais têm como base determinações oficiais, descritas nos primeiros documentos internacionais, intitulados Cartas Patrimoniais. Dentre esses documentos, cabe mencionar a Carta de Atenas (1931), a Carta de Veneza (1964), a Carta do Restauro Italiana (1972), a Declaração de Amsterdã (1975) e a Carta de Burra (1980), que vieram a inspirar, consequentemente, inúmeros outros dispositivos depois (Tavares, 2011).

    Nas Cartas Patrimoniais, institui-se o compromisso com a preservação de bens, acarretando discussões que tinham como objetivo a proposição de atividades técnico-administrativas, assim como de processos, que trouxessem orientações quanto aos procedimentos de preservação e conservação. Nesse sentido, tiveram como intuito principal fornecer uma orientação quanto à padronização de métodos relacionados a ações de salvaguarda e conceituações afins à área patrimonial, tendo sido elaboradas por diversos atores e organismos internacionais, contando, inclusive, com a participação da Organização das Nações


    Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (Granato; Ribeiro; Araújo, 2018; Unesco, 1972).

    Por meio dessas Cartas, iniciou-se o estudo de medidas e indicações de salvaguarda. Todavia, tais documentos “[...] não têm a pretensão de ser um sistema teórico desenvolvido de maneira extensa e com absoluto rigor, nem de expor toda a fundamentação teórica do período” (Kühl, 2010, p. 289). Isso significa que as Cartas não possuem um caráter regulamentário, em âmbito generalista, ao contrário, sua análise e emprego devem ocorrer conforme a realidade de cada localidade.

    Como resultado desse movimento, o conceito de patrimônio passou a adquirir concepções para além do foco nas edificações, assumindo um caráter de valorização de técnicas, elementos históricos, permanência de valor estético, artístico e cultural. O conceito atinge, portanto, novas dimensões, englobando a necessidade de preservação e proteção dos mais diversos tipos de bens patrimoniais, tanto em âmbito material, como imaterial (Gonçalves, 2003).

    De acordo com Lemos (1981) e Chuva (2012), é nos anos 1930 que começam a se intensificar, no Brasil, preocupações acerca da prática preservacionista em torno do patrimônio. Nesse sentido, vale citar a criação da Inspetoria de Monumentos Nacionais (IMN) como o primeiro órgão no País com preocupações dirigidas à preservação do patrimônio. Ligado ao Museu Histórico Nacional (MHN), o órgão foi criado a partir do Decreto n° 24.735 de 14 de julho de 1934, tendo como finalidade, segundo escreve Rangel (2012, p. 105),


    [...] impedir que objetos antigos, referentes à história nacional, fossem retirados do país em virtude do comércio de antiguidades, e que as edificações monumentais fossem destruídas por conta das reformas urbanas, a pretexto de modernização das cidades.


    A Constituição de 1934 é frequentemente mencionada como um marco na concepção de políticas no âmbito do patrimônio. A partir dessa constituição foram elaboradas diretrizes concernentes à organização, conservação e preservação de bens culturais em nível nacional (CONRADO; NUNES, 2022). Exemplo disso é o art. 148, o qual estabelece que:


    Art. 148. Cabe à União, aos Estados e Municípios favorecer e animar o desenvolvimento das ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, proteger os objetos de interesse histórico e o patrimônio artístico do país, bem como prestar assistência ao trabalhador intelectual. (Brasil, 1934, art. 148).


    A proteção e o cuidado dirigidos à preservação do patrimônio no Brasil têm sua base oficializada, porém, em 1937, a partir da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), durante o governo de Getúlio Vargas, contando com a atuação de Mário de Andrade, a pedido do então Ministro Gustavo Capanema (IPHAN, 1980). O SPHAN esteve vinculado, inicialmente, ao Ministério da Educação e Saúde e seus objetivos foram promulgados no artigo 46, da Lei nº 378 de

    13 de janeiro de 1937, a qual estabelecia que o órgão teria como finalidade: “[...] promover, em todo o País e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional” (Brasil, 1937, art. 46).


    Alguns meses depois da publicação da Lei nº 378, é promulgada, em 10 de dezembro de 1937, uma nova Constituição no País em decorrência da instauração do Estado Novo, por meio de um golpe de Estado perpetrado por Getúlio Vargas. Nela, a temática preservação é abordada no art. 134 da seguinte maneira:


    Art. 134. Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais particularmente dotados pela natureza gozam da proteção e dos cuidados especiais da Nação, dos Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional. (Brasil, 1937, art. 134).


    Com o fim da chamada Era Vargas, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional ganhou, em 1946, nova denominação, passando a ser intitulado Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN). Em 1970, entretanto, o DPHAN passou por outra reformulação e foi novamente renomeado, sendo transformado em Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A entidade recebeu novas denominações em 1979 e 1990, retornando, porém, à designação IPHAN em 1994.

    Como forma de enfatizar a responsabilidade do Estado sobre a promoção de políticas relacionadas ao patrimônio, vale mencionar a realização, em abril de 1970, do “1° Encontro dos Governadores de Estado, Secretários Estaduais da Área Cultural, Prefeitos de Municípios Interessados, Presidentes e Representantes de Instituições Culturais”. A partir desse Encontro, foi elaborado e divulgado o documento intitulado “Compromisso de Brasília”, o qual, dentre as várias recomendações, propunha que:


    Para remediar a carência de mão-de-obra especializada, nos níveis superiores, médio e artesanal, é indispensável criar cursos visando à formação de arquitetos restauradores, conservadores de pintura, escultura e documentos, arquivologistas e museólogos de diferentes especializações, orientados pelo DPHAN e pelo Arquivo Nacional os cursos de nível superior.


    Sendo o culto ao passado elemento básico da formação da consciência nacional, deverão ser incluídas nos currículos escolares, de nível primário, médio e superior, matérias que versem o conhecimento e a preservação do acervo histórico e artístico, das jazidas arqueológicas e pré-históricas, das riquezas naturais, e da cultura popular [...]. (Iphan, 1970, p. 02)


    Alguns anos depois da criação de órgãos relativos à salvaguarda patrimonial, surge a preocupação em designar o sancionamento de legislação específica que viesse propor a proteção e o alargamento do conceito de patrimônio cultural brasileiro, trazendo em seu texto o reconhecimento explícito da existência de bens culturais materiais e imateriais. Essa base legislativa é efetivada a partir da Constituição de 1988, especialmente, em seu Artigo 216, que assinala:


    Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

    1. - as formas de expressão;

    2. - os modos de criar, fazer e viver;

    3. - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

    4. - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

    5. - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (Brasil, 1988, art. 216)


    No inciso 1º do Art. 216 da Constituição de 1988, é reconhecida a importância da preservação do patrimônio cultural por parte do Estado, destacando-se a necessidade da participação de toda a sociedade nesse processo. Assim, consta no referido inciso que:


    § 1º O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” (Brasil, 1988, art. 216).


    Atualmente, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é vinculado ao Ministério da Cultura e tem como missão “[...] proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações presentes e futuras” (Iphan, 2020). Nesse sentido, traz como Instrumentos de Proteção do Patrimônio Material: o Tombamento, a Valoração do Patrimônio Cultural Ferroviário e a Chancela da Paisagem Cultural; e como Salvaguarda do Patrimônio Imaterial: o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) e o Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI).


    1. Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho: aspectos históricos


      Como dito na introdução deste artigo, o Ceará ainda não possui cursos de educação formal voltados à área da preservação e conservação patrimonial. Apesar disso, o estado conta com a cooperação de importantes órgãos dedicados à difusão de ações e saberes relacionadas


      às áreas de preservação, educação patrimonial ou conservação e restauração de bens culturais, como a Superintendência do IPHAN no Ceará, que têm como atividades a promoção de debates e a difusão de informações sobre a temática; a Biblioteca Estadual do Ceará (BECE) com a oferta de cursos introdutórios de conservação de obras em suporte de papel; e, a Escola Pública de Audiovisual Vila das Artes, com cursos voltados à preservação e documentação audiovisual.

      Contudo, visando promover a criação de políticas que favorecessem o desenvolvimento de ações educacionais mais efetivas relacionadas à salvaguarda do patrimônio, o Governo do Estado inaugurou, em 2002, o Centro de Restauro do Ceará – que depois passou a se chamar Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho –, com o objetivo de promover a formação de profissionais para atuarem no âmbito da preservação, restauração, valorização e permanência dos saberes em artes e ofícios no estado.

      O palacete escolhido para sediar a instituição foi construído nos anos 1920 e fica localizado num importante bairro histórico da capital cearense, chamado Jacarecanga. Bairro esse que até a metade do século XX ficou conhecido por ter sua história “[...] marcada não só pela estrutura arquitetônica das suas casas, mas, especialmente, pela elite política, econômica e social” (Bezerra, 2007, p. 77) que ali residiu. O bairro Jacarecanga tem seu passado emaranhado na própria constituição de Fortaleza enquanto capital do Ceará, sobretudo, no que diz respeito ao crescimento e às transformações vivenciadas ao longo do tempo na cidade (Nazareno, 2003; Oliveira, 2019).

      Embora muitos dos casarões do bairro Jacarecanga já tenham sofrido modificações ou até demolições, o palacete, que serviu de


      residência para Thomaz Pompeu de Souza Brasil Sobrinho, permanece ostentando a sua beleza para quem transita pela região. A edificação, de influência arquitetônica europeia, foi construída entre os anos de 1924 e 1929 pelo próprio Thomaz Pompeu Sobrinho e possui estilo art nouveau italiano (Viana; Martins, 2018). Segundo escreve Oliveira (2019), a estrutura do palacete é uma das mais altas do bairro, se comparada a outras existentes ali e que datam do mesmo período. Em sua tese de doutorado, a autora detalha que: “[...] do mirante, localizado na parte mais alta da casa, é possível ver o nascer do Sol surgindo do lado leste da cidade e se pondo do lado oeste em seu espetáculo de cores” (Oliveira, 2019, p. 74).

      O palacete foi ocupado por Thomaz Pompeu até seu falecimento, no ano de 1967. Quando a família de Pompeu decidiu se mudar do local, o imóvel passou a sofrer forte pressão da especulação imobiliária. Entretanto, durante a pesquisa documental e de campo, obteve-se relatos de que a finalidade proposta pelos possíveis compradores era diametralmente contrária ao que os herdeiros desejavam, já que estes estimavam pela preservação da residência. Isso ocasionou com que o Governo do Estado do Ceará decidisse adquirir o imóvel no final dos anos 1990. Sob inspiração nas políticas de cultura existentes na Espanha, o então secretário de cultura do estado, Paulo Linhares, decide iniciar ali o projeto de uma escola voltada à “[...] conservação e restauração, e mais além, que também deveria trabalhar com os ofícios da tradição cearense” (Oliveira, 2019, p. 75).

      O prédio, situado na Avenida Francisco Sá, número 1801, faz parte do patrimônio histórico e arquitetônico do estado do Ceará. A edificação encontra-se protegida pela lei estadual 9.109 de 1968 e compõe o acervo


      da arquitetura residencial do século XX de Fortaleza (Oliveira, 2019). Entretanto, é mister assinalar que a Lei nº 9.109/68 foi promulgada à época da criação da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Ceará, 2013), anterior às preocupações relacionadas ao patrimônio encabeçadas pelos Compromissos de Brasília e Salvador, surgidos nos anos 1970 (Bacelar; Pereira; Pontual, 2020).

      Desse modo, foi sob a gestão de Nilo Almeida na Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (SECULT) que o equipamento iniciou suas atividades, tendo como propósito principal a institucionalização da cultura e o desenvolvimento de uma “política voltada ao patrimônio” (SIMIS, 2007). A primeira turma, composta por alunos matriculados no curso de Restauração do Patrimônio Arquitetônico, com especializações em Alvenaria Artística, Pintura e Carpintaria, realizou o restauro da edificação, buscando recuperar detalhes originais que haviam ficado para trás devido à ação do tempo, mas também em decorrência de intervenções humanas realizadas antes da sua aquisição pelo Governo do Ceará.

      Segundo relata Nilo Almeida, em entrevista concedida a Oliveira (2019, p. 79),


      [...] em 13 de agosto de 2001, quando eu exercia o cargo de secretário de Estado da Cultura, ocorreu a aula inaugural da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, como uma das ações do Projeto Fortaleza Histórica, da SECULT-CE. A primeira turma formou jovens, a partir de dezoito anos, que se encontravam em situação de risco psicossocial. Além da formação escolar (educação formal), eles recebiam bolsa incentivo, no valor de R$ 70,00 (setenta reais), seguro de vida, equipamento individual de segurança, assistência social e psicológica, além de alimentação.


      Compôs-se, então, nesse período, uma equipe técnica, de formação multidisciplinar, para abordar conteúdos na instituição que tratassem sobre a importância da conservação e restauro de monumentos históricos para dar seguimento às atividades. Todavia, o Centro de Restauro, denominação inicial do equipamento, não permaneceu em funcionamento por muito tempo, já que, segundo Oliveira (2019, p. 80), o prédio necessitava de “[...] adaptações e modificações em seus cômodos e na área externa para receber uma escola com mais atividades e cursos, além de materiais para o exercício diário e investimentos financeiros”.

      Em decorrência disso, a instituição teve suas ações interrompidas visando reformulações em sua concepção, o que ocorreu quatro anos depois, ressurgindo, porém, como Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho. Sob a gestão de Cláudia Leitão na SECULT (2003- 2006), a instituição reabre não só com outro nome, mas também com novos conceitos, que, somados a preocupações no tocante ao patrimônio como um todo, passa a lidar com questões ligadas aos saberes e fazeres ancestrais, à arte e à cultura popular cearense, acrescentando a isso, sob o viés do empreendedorismo, uma dimensão econômica voltada à geração de trabalho e renda (Oliveira, 2019).

      Depois do desenvolvimento e ampliação da proposta educacional inicial, a instituição foi reinaugurada em 15 de maio de 2006, passando a ser gerida por uma Organização Social (OS) sem fins lucrativos, chamada Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC). Criado em 1998, num momento marcado por discussões no País acerca das possibilidades de financiamento na área da cultura (Freitas, 2009), o IACC mudou de nome pouco tempo depois, em 2013, e passou a se chamar Instituto Dragão do Mar. A administração da EAOTPS e de vários outros equipamentos no


      estado do Ceará tem se dado a partir de um modelo de gestão pública firmado entre o Governo e o chamado “Terceiro Setor” no âmbito da cultura, em especial, no que diz respeito à gestão de espaços e projetos culturais públicos (Freitas, 2009)1.

      O curso que deu início às atividades do equipamento em sua reabertura – denominado Conservação e Restauração do Patrimônio Arquitetônico, que conferia, ao final, duas certificações: agente patrimonial (200h/a) e artífice auxiliar de restauração (800h/a) – contou com o número de 2.875 pessoas inscritas, oriundas dos mais variados bairros de Fortaleza. Em seguida, demais cursos foram oferecidos, como: Artífice em Couro – Marcas da Cultura; Artífice em Xilogravura – Imagens da Cidade; e, Artífice de Brinquedo Tradicional – Brincar de Criança, dentre outros, direcionados ao reconhecimento do patrimônio cultural no estado (Oliveira, 2019).

      A EAOTPS tem perseguido, desde então, o compromisso de contribuir para a formação e qualificação de seus alunos nos mais diversos ofícios dirigidos à valorização do patrimônio, oferecendo cursos de formação e capacitação em conservação e restauro, mas, também, formações voltadas à gravura e ao artesanato. Em complemento, a Escola mantém como fundamento propiciar o ensino patrimonial a jovens da população cearense, com o intuito de modificar perfis de exclusão social através do ensino profissional, tendo sua proposta pedagógica apoiada em: aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a conviver;


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      1 No Brasil, a gestão pública não estatal tem sido empreendida por meio de parcerias estabelecidas entre governos estaduais e municipais junto a Organizações Sociais (OS) ou por meio de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), encontrando amparo nas leis nº 9.637/98 e nº 9.790/99 (Freitas, 2009).


      e, aprender a empreender (Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, 2019).

      Em termos de estrutura física, a instituição possui uma área total de 2.147,84 m², sendo 825,50 m² de área construída, e conta com: duas salas multiuso; um auditório; dois ateliês multiuso; um ateliê, que também funciona como laboratório, voltado à gravura, contendo prensas para xilogravura e litografia; um ateliê de costura com máquinas domésticas e industriais; um laboratório de serigrafia, com sala para revelação; duas salas para exposições; e, uma biblioteca com acervo formado para atender aos cursos ofertados pela instituição (Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, 2019).


  3. ATUAÇÃO DA ESCOLA DE ARTES E OFÍCIOS THOMAZ POMPEU SOBRINHO NO ESTADO DO CEARÁ


    A Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho oferece formação voltada à educação patrimonial, à valorização de ofícios tradicionais no Ceará e à capacitação profissional em conservação e restauro. A inscrição nos cursos é realizada por meio de formulário online, disponibilizado no site da EAOTPS. A instituição oferece vagas dirigidas a jovens de escolas públicas, priorizando aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social, com idade mínima de 18 anos. Em todos os cursos, a alimentação e os materiais necessários ao aprendizado teórico e prático são fornecidos de forma gratuita.

    Sob a perspectiva da formação profissional, a EAOTPS busca proporcionar qualificação no âmbito das artes e ofícios, contribuindo para a preservação do patrimônio histórico e cultural do estado do Ceará.


    Assim, em seu Projeto Pedagógico Institucional é possível identificar algumas das diretrizes adotadas nas ações de ensino da instituição, contando com conteúdo teórico e atividades práticas voltadas ao fortalecimento de linguagens artísticas através do desenvolvimento de habilidades específicas, conforme pode ser observado no trecho abaixo:


    Proporcionar metodologias de educação patrimonial e itinerários de formação nas áreas de conservação e restauração; Formar pessoal qualificado para realizar atividades de prestação de serviço e/ou desenvolvimento de produtos; Despertar o aluno para uma atividade socioeconômica; Desenvolver competências para o empreendedorismo; Incentivar o empreendedorismo cultural e o associativismo para fomentar atividades de produção do artesanato; Possibilitar a participação em feiras de artesanato, bienais e salões, concursos, dentre outros; Formar pessoal qualificado para tratar aspectos da gravura, a partir das técnicas: da xilogravura, da gravura encavo, da litografia e da serigrafia; Fortalecer a produção artística de artistas; Identificar e reconhecer talentos (Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, 2019, p. 9).


    A Escola adota um formato de ensino participativo, com o intuito de fortalecer níveis de competência voltados à qualificação interdisciplinar, seja no ensino voltado à preservação patrimonial ou no que tange à construção de habilidades artísticas, com cunho empreendedor. Dessa maneira, para atingir alguns dos objetivos propostos no Programa de Formação, a EAOTPS destaca em seu PPI que se faz necessário:


    [...] considerar as características específicas do aluno, seus interesses, condições de vida e de trabalho, além de observar os conhecimentos prévios, orientando-os na reconstrução dos conhecimentos escolares. Faz-se necessário também reconhecer a existência de uma identidade comum do ser humano, sem esquecer de considerar os diferentes ritmos de aprendizagens e a subjetividade do aluno. (Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, 2019, p. 09).


    No PPI são apresentados os programas dos cursos oferecidos pela Escola de modo geral, orientados tanto para as áreas relacionadas à difusão e preservação de artes e ofícios desenvolvidos no Estado do Ceará, quanto à conservação de bens culturais materiais e educação patrimonial. À vista disso, como linha de atuação, os cursos e projetos que compõem o eixo formativo da EATOPS se dividem em três, quais sejam:


    Área da Conservação e Restauro – a formação de um profissional qualificado apto a identificar e compreender a história, a formação e a variação arquitetônica de sua cidade, classificando o patrimônio histórico em suas vertentes material, imaterial e natural, conhecendo e aplicando quando necessário, seus instrumentos de proteção legal. Os campos de atuação desses profissionais são construção civil, ateliês de arte e escritórios de arquitetura, mas também prestando serviços como profissional liberal ou através de cooperativas/associações.


    Área da Artesania – capacitação para o desenvolvimento das habilidades manuais de criar, modelar, construir e manusear ferramentas, conhecimento da história do artesanato e a legislação que ampara esse profissional, formas de empreender essa atividade, e incentivo a consciência ambiental.


    Área da Gravura – capacitação para o desenvolvimento das habilidades de desenho, criação e produção de gravuras encavo (xilogravura, linoleogravura, zincogravura), gravura plana (litografia), estamparia e impressões, o conhecimento da história da gravura, formas de empreender e incentivo a consciência ambiental. (Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, 2019, p. 11).


    O primeiro eixo, denominado Área da Conservação e Restauro, abrange os cursos de conservação e restauro de bens patrimoniais móveis e integrados; o segundo, Área do Artesanato, aborda ofícios ligados à Marcenaria, Costura e Bordado, Couro e Cerâmica; por fim, o terceiro, Área da Gravura, propõe capacitação em xilogravura,


    linoleogravura, zincogravura, litografia, estamparia e impressão. As cargas horárias dos cursos de cada um dos três eixos variam entre 60 e 200 horas, conforme a temática tratada.


    Quadro 1 – Cursos oferecidos e sua inserção nos eixos formativos da EAOTPS

    Área da Conservação e Restauro

    Carga horária

    Curso de Conservação e Restauração em Bens Patrimoniais Móveis e Integrados

    200 h

    Curso de Iniciação em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados – Tela

    60 h

    Curso de Iniciação em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados – Escultura

    60 h

    Curso de Iniciação em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados – Encadernação

    60 h

    Aperfeiçoamento em Contexto de Trabalho - Pintura Parietal

    100 h

    Conservação e Restauração em Edificações Históricas e Artísticas - Pintura Parietal

    200 h

    Conservação e Restauração em Edificações Históricas e Artísticas – Marcenaria

    120 h

    Curso de Prática de Ofício - Prospecção e o Mapa de Danos

    120 h

    Curso de Aperfeiçoamento em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados - técnica com vitrais

    200 h


    Curso EAD de História e Apreciação da Arte

    60 h

    Área do Artesanato

    Carga horária

    Curso de Artefatos na Perspectiva das Artes e Ofícios em - Marcenaria

    120 h

    Costura e Bordado

    120 h

    Curso de Artefatos em Couro

    120 h

    Curso de Artefatos em Cerâmica

    120 h

    Área da Gravura

    Carga horária

    Curso de capacitação em serigrafia na produção da gravura de forma integrada

    120 h

    Fonte: Dados da pesquisa, 2023.


    Como resultado da contribuição dada à formação nos mais diversos segmentos do campo do patrimônio, a EAOTPS já atuou no restauro de algumas obras e instituições cearenses. Além do restauro do próprio palacete sede da instituição, os alunos do curso “Aperfeiçoamento em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados” participaram, em 2019, do projeto de restauro do vitral da Secretaria da Fazenda do Ceará (SEFAZ-CE). O painel foi inaugurado em 1927 com o Palácio da Fazenda, que tem uma importância histórica para o estado por ter sido o primeiro prédio a usar concreto armado em sua construção.

    O projeto foi planejado para ter uma duração de 50 dias, estes separados em quatro etapas, coordenadas por uma equipe especializada. Na primeira etapa, foi realizada a análise do estado de conservação do


    bem. Em seguida, produziu-se um mapa de danos. No terceiro estágio, o vitral foi desmontado, acondicionado e levado à Escola para que as peças passassem por um processo de higienização e restauro. E, por fim, na quarta etapa ocorreu a montagem, pelos integrantes do projeto, dos painéis no prédio que abriga a sede principal da SEFAZ-CE.

    Além do restauro do vitral da Secretaria da Fazenda do Ceará, os alunos já atuaram em outros importantes equipamentos do estado, dentre os quais, vale mencionar o Cineteatro São Luiz e o Sobrado Dr. José Lourenço, ambos localizados no Centro de Fortaleza. Vale assinalar também que a Escola já contribuiu com a restauração de obras de artes significativas para a cultura cearense, como as esculturas do Museu São José do Ribamar e o acervo da artista plástica Sinhá D’Amora (1906- 2002).

    Por meio da constante oferta de cursos, os alunos da EAOTPS mantêm contínua realização de projetos voltados ao patrimônio cultural do estado. Em atuação recente, iniciado em outubro e concluído em novembro de 2022, ocorreu o trabalho de restauro das paredes da Cripta da Igreja Nossa Senhora dos Remédios, no bairro Benfica, que possui autoria do artista plástico cearense Gerson Faria. A construção da igreja foi iniciada em 1878 e concluída apenas 32 anos depois devido à falta de recursos financeiros, já que ela fica localizada num bairro que, à época, possuía poucos moradores.

    Além de formação voltada à área de preservação e conservação de bens materiais, e tendo em vista também o ensino oferecido no âmbito do patrimônio imaterial, é possível notar que, nos quinze cursos ofertados pelo equipamento (descritos no Quadro 1) há, em onze deles, conteúdos dirigidos também ao patrimônio imaterial, versando, com frequência,


    sobre educação patrimonial. Neles, são abordadas, de modo abrangente, questões ligadas à história, à memória e à tradição no Estado, com carga horária variável. No quadro 2, constam os cursos e as cargas horárias dirigidas à temática:


    Quadro 2 – Cursos com carga horária voltada ao patrimônio imaterial



    ÁREA DA CONSERVAÇÃO E RESTAURO

    DISCIPLINA SOBRE EDUCAÇÃO PATRIMONI AL


    Carga Horária

    Curso de Conservação e Restauração em Bens Patrimoniais Móveis e Integrados

    SIM

    12 h

    Curso de Iniciação em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados – Tela

    SIM

    4 h

    Curso de Iniciação em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados – Escultura

    SIM

    4 h

    Curso de Iniciação em Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis e Integrados – Encadernação

    SIM

    4 h

    Conservação e Restauração em Edificações Históricas e Artísticas – Pintura Parietal

    SIM

    8 h

    Conservação e Restauração em Edificações Históricas e Artísticas – Marcenaria

    SIM

    4 h


    ÁREA DO BORDADO

    DISCIPLINA SOBRE EDUCAÇÃO PATRIMONI AL


    Carga Horária


    Curso de Artefatos na Perspectiva das Artes e Ofícios em - Marcenaria

    SIM

    4 h

    Costura e Bordado

    SIM

    4 h

    Curso de Artefatos em Couro

    SIM

    4 h

    Curso de Artefatos em Cerâmica

    SIM

    4 h


    ÁREA DA GRAVURA

    DISCIPLINA SOBRE EDUCAÇÃO PATRIMONI AL


    Carga Horária

    Curso de capacitação em serigrafia na produção da gravura de forma integrada

    SIM

    4 h

    Fonte: Dados da pesquisa


    Com foco na temática da educação patrimonial, a Escola desenvolve projetos voltados à discussão sobre patrimônio imaterial em diferentes municípios do Ceará, expandindo sua atuação no estado. Em 2012, a EAOTPS participou da 25ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, promovido pelo IPHAN, o qual visava premiar ações representativas no âmbito do Patrimônio Cultural. A Escola ficou em primeiro lugar na categoria Educação Patrimonial através do projeto Patrimônio Para Todos, que teve como objetivo estimular jovens de 18 a 29 anos de idade a reconhecerem, a partir de suas vivências, exemplos de patrimônio cultural em suas comunidades.

    Além do projeto Patrimônio Para Todos, a EAOTPS conta, atualmente, com os seguintes projetos em desenvolvimento: Circuito das Artes e Ofícios, Ateliê Livre de Gravura, Fuxico da Escola, Seminário da Gravura e Salão da Gravura. A Escola tem oferecido uma contribuição


    importante à sociedade cearense, atuando diretamente na formação profissional e promoção de saberes relacionados ao patrimônio. Nesse sentido, tem colaborado para evidenciar o fato de que patrimônio material e imaterial devem ser abordados como temas complementares, uma vez que ambos carregam consigo elementos da cultura e da identidade de um povo.


  4. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho oferece inúmeras ações educacionais que promovem a difusão de conhecimentos a respeito da salvaguarda patrimonial, seja ela de natureza material, no ensino do tratamento e prática de restauro de bens culturais, seja de natureza imaterial, promovendo o reconhecimento e favorecendo a apropriação cultural. A partir dos resultados obtidos, percebe-se que, por meio dos seus programas de capacitação e projetos voltados à área patrimonial, o equipamento tem cumprido o seu compromisso de valorização do patrimônio cultural no estado do Ceará.

Além de atuar como formadora de profissionais da área de conservação e restauro e demais áreas das artes e ofícios, a Escola tem contribuído de forma significativa no restauro de bens patrimoniais públicos, propondo a aplicação de saberes e fazeres diretamente a bens que carregam em si parcela considerável da história do estado, fortalecendo, desse modo, a importância de sua permanência e manutenção enquanto equipamento cultural, mas, também, de ensino.

A partir do estudo sobre a atuação desempenhada através das ações pedagógicas da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu


Sobrinho, destaca-se a necessidade de constante pesquisa e contínua discussão acerca da necessidade do desenvolvimento de atividades formativas, de caráter teórico e prático, na área de preservação, conservação e valorização de bens materiais e imateriais, possibilitando o fortalecimento, a disseminação e a consolidação de políticas públicas voltadas ao estabelecimento de um número maior de instituições que promovam ações de salvaguarda de elementos culturais da sociedade brasileira, imprescindíveis ao patrimônio histórico do País.


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