O ato de ensinar em tempos adversos: reflexão sobre a prática docente no contexto pandêmico


The act of teaching in adverse times: reflection on teaching practice in the pandemic context


El acto de enseñar en tiempos adversos: reflexión sobre la práctica docente en el contexto de la pandemia


Maria Cleide Rodrigues Bernardino

Universidade Federal do Cariri (UFCA)

Brasil


Denise Braga Sampaio

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Brasil


Licença:



Autor para correspondência: Maria Cleide Rodrigues Bernardino

Email: cleide.rodrigues@ufca.edu.br

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3812-3167


Como citar:

BERNARDINO, Maria Cleide Rodrigues; SAMPAIO, Denise Braga; O Ato de ensinar em tempos adversos: reflexão sobre a prática docente no contexto pandêmico. REBECIN, São Paulo, v. 9, número especial, p. 1- 20, 2022. DOI: 10.24208/rebecin.v9inúmero especial.342



RESUMO


Aborda o processo de ensino e aprendizagem no cenário da Pandemia por Covid-19, dialogando com Paulo Freire e David Ausubel, interseccionando com Jean Piaget e bell hooks. Tem como objetivo refletir a respeito do processo ensino-aprendizagem, a partir do período pandêmico, considerando os caminhos possíveis para a área da Informação, com base na aprendizagem significativa e na pedagogia freiriana. Os procedimentos metodológicos se deram por meio da pesquisa bibliográfica e abordagem dialética. Conclui-se que a Pandemia revelou desigualdades sociais e econômicas que impactam nos resultados educacionais e contribuíram para evasão e reprovações no Ensino Superior. E que a aprendizagem significativa é uma via de mão dupla em que todos, docentes e discentes, aprendem. Percebe-se, a partir dos teóricos em discussão, que há interseções possíveis e, de futuras reflexões, no campo da informação. A exemplo das dimensões da mediação da informação, propostas por Henriette Gomes. Este, portanto, é um estudo preliminar, na perspectiva de tais discussões, carecendo de maiores aprofundamentos a serem feitos futuramente.


Palavras-Chave: Ensino Remoto; Pedagogia Freiriana; Ensino em Informação; Aprendizagem significativa.


ABSTRACT


It approaches the teaching and learning process in the Pandemic scenario by Covid-19, dialoguing with Paulo Freire and David Ausubel, intersecting with Jean Piaget and bell hooks. It aims to reflect on the teaching-learning process, from the pandemic period, considering the possible paths for the Information area, based on meaningful learning and Freirian pedagogy. The methodological procedures took place through bibliographical research and dialectical approach. It is concluded that the Pandemic revealed social and economic inequalities that impact on educational outcomes and contributed to dropouts and failures in Higher Education. And that meaningful learning is a two-way street in which everyone, faculty and students, learn. It is noticed, from the theorists under discussion, that there are possible intersections and, of future reflections, in the field of information. As an example of the dimensions of mediation of information, proposed by Henriette Gomes. This, therefore, is a preliminary study, from



the perspective of such discussions, lacking in greater depth to be done in the future.


Keywords: Remote teaching; Paulo Freire 's pedagogy; Information teaching. Meaningful learning.


RESUMEN


Aborda el proceso de enseñanza y aprendizaje en el escenario de la Pandemia de la Covid-19, establece diálogo con Paulo Freire y David Ausubel, cruzando con Jean Piaget y bell hooks. Tiene como objetivo reflexionar sobre el proceso de enseñanza-aprendizaje, a partir del período de la pandemia, considerando los caminos posibles para el área de Información, a partir del aprendizaje significativo y la pedagogía freireana. Los procedimientos metodológicos se realizaron a través de la investigación bibliográfica y un enfoque dialéctico. Se concluye que la Pandemia reveló desigualdades sociales y económicas que impactan en los resultados educativos y contribuyeron a la evasión y el fracaso en la Educación Superior. Y que el aprendizaje significativo es una calle de doble sentido en la que todos, profesores y alumnos, aprendemos. Con base en los teóricos en discusión, se puede observar que existen posibles cruces y, para futuras reflexiones, en el campo de la información. Como las dimensiones de la mediación de la información, propuestas por Henriette Gomes. Este, por lo tanto, es un estudio preliminar, en la perspectiva de tales discusiones, careciendo de mayores detalles a realizar en el futuro.


Palabras clave: Enseñanza remota; Pedagogía Freireana; Docencia en Información; Aprendizaje significativo.


  1. INTRODUÇÃO


    O processo de ensino no Brasil foi reconfigurado a partir das orientações sobre isolamento social em virtude da Pandemia de Covid-

    19. O que antes era realizado presencialmente, tendo no contato face a face, o feedback necessário à autoavaliação, passou a ser realizado mediado pelas telas de computadores e smartphones. Docentes e



    discentes tiveram que se adaptar e estabelecer uma relação de troca e compreensão, por vezes, maior que a que normalmente estavam acostumados. No ensino de Biblioteconomia e Arquivologia não foi diferente. Foi necessário se reinventar, modificar antigos métodos, construir novos modelos de comunicação e interação.

    Assim, refletindo a partir dos construtos da aprendizagem significativa e pedagogia crítica, tendo como expoentes, respectivamente, David Ausubel (teórico da aprendizagem significativa) e Paulo Freire (teórico da pedagogia crítica), tem-se como problemática: quais caminhos são possíveis para a educação na área da Informação, diante do cenário pandêmico, que descortina fragilidades infocomunicacionais?

    Este estudo se justifica pelo cenário da pandemia de Covid-19, que trouxe novos modos de interação, que impactaram diretamente nas rotinas educacionais das diversas áreas do conhecimento, incluindo-se a área da Informação1. Esse novo modo se baseia no ensino remoto, em que docentes e discentes interagem, de suas casas, mediados por plataformas digitais e equipamentos infocomunicacionais. Ocorre que, este mesmo cenário revela desigualdades sociais, econômicas, tecnológicas e de competências na lida com tais plataformas e equipamentos. Vale destacar que tais desigualdades se refletem em ambas as categorias, discentes e docentes, na medida em que essas plataformas e equipamentos não necessariamente eram de uso corrente nas práticas educacionais pré-pandêmicas.

    Discentes e docentes tiveram que aprender a aprender e ensinar em ambientes antes domésticos, que utilizar seus computadores e celulares para atividades antes feitas no contato espacial e


    1 Que envolve Arquivologia, Biblioteconomia, Ciência da Informação e afins.



    temporalmente definidos pelos muros das instituições de ensino aos quais fazem parte, tiveram que dosar esse tempo, no caso de docentes, para preparar aulas, materiais de apoio, dar tais aulas, mas também, que buscar técnicas que se adaptassem a estes meios. Outrossim, deveriam eles próprios, aprender a lidar com ferramentas tecnológicas antes pouco conhecidas, ou efetivamente desconhecidas. Além disso, a ausência do feedback instantâneo (da análise facial dos alunos, no modelo presente, ou mesmo da fala espontânea), tornou o ambiente remoto mais desafiador.

    Diante deste cenário, objetiva-se refletir a respeito do processo ensino-aprendizagem, a partir do período pandêmico, considerando os caminhos possíveis para a área da Informação, com base na aprendizagem significativa e na pedagogia freiriana.

    O estudo, de caráter bibliográfico e abordagem dialética, se ampara na teoria freiriana, da pedagogia crítica e na teoria da aprendizagem significativa, de Ausubel, interseccionando com bell hooks e Piaget, para traçar um quadro de perspectivas pedagógicas, metodológicas e reflexivas, na área da informação, levando em consideração a desigualdade social que se fez escancarada no ensino remoto.


  2. APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E PEDAGOGIA CRÍTICA


    A aprendizagem significativa se relaciona com o contexto social, os atores sociais e cenários. Considera o conhecimento prévio do discente. Como afirma Jean Piaget (1998), o conhecimento não é uma reprodução, pois pressupõe uma relação entre o objeto e o sujeito. O que significa que o ator principal desse processo é o aprendente. Em sua máxima Piaget



    (1998, p. 16), reflete que “conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo”, de maneira significativa.

    A aprendizagem significativa é um processo pelo qual o novo conhecimento se articula com as estruturas cognitivas prévias do indivíduo (AUSUBEL, 1968), sendo a base para o aprendizado, é o que dá sentido. Por isso, para esta metodologia de aprendizagem, as estruturas prévias de aprendizagem do e da aprendiz são importantes no processo de aprendizagem, mas há, também, uma consciência de que a aprendizagem mecânica não deve ser desprezada. O aprendizado mecânico ocorre na medida em que a pessoa aprendiz não teve contato prévio com determinado conteúdo. Conforme mostra a imagem 1, a aprendizagem significativa pode resultar na diferenciação progressiva ou na reconciliação integradora e isso justamente se dá nesse trânsito do aprendizado mecânico para algo mais orgânico, significativo.


    Figura 1 - Como ocorre a aprendizagem significativa


    Fonte: Dantas, Silva, Borges (2018).



    É respeitar os saberes do educando, como nos ensina Freire (2020), mas também, suas vivências, seu contexto social, cultural e econômico (FREIRE, 2021b; HOOKS, 2013).

    Moreira (2012, p. 30) afirma que,


    Aprendizaje significativo es aquél en que ideas expresadas simbólicamente interactúan de manera sustantiva y no arbitraria con lo que el aprendiz ya sabe. Sustantiva quiere decir no literal, que no es al pie de la letra, y no arbitraria significa que la interacción no se produce con cualquier idea previa sino con algún conocimiento específicamente relevante ya existente en la estructura cognitiva del sujeto que aprende.


    É a valorização do contexto do educando, criando significado ao conhecimento existente e agregando novos conhecimentos igualmente significativos. Este conhecimento anterior, considerado relevante e significativo, Ausubel (1968) chama de subsunçor ou ideia âncora. Moreira (2012, p. 30) explica que o subsunçor é “[...] o nome que se dá a um conhecimento específico, existente na estrutura de conhecimentos do indivíduo, que permite dar significado a um novo conhecimento que lhe é apresentado ou por ele descoberto”. Vale ressaltar que a atribuição de significados se dá a partir do conhecimento prévio do aprendiz e do quanto este ou estes conhecimentos têm significância para o aprendente. É um processo de interação do subsunçor ou ideias âncoras aos novos conhecimentos, em que o novo conhecimento agregado aos significados do aprendiz e os conhecimentos prévios adquirem novos significados.

    É entender que a educação parte da transformação do conhecimento, do conhecer e do cognoscente, é uma interlocução entre ‘consciência’, em Piaget, e ‘conscientização’, em Freire, para uma ‘significação’, em Ausubel, que gere ‘entusiasmo’, em bell hooks. É dar



    vazão à autonomia do educando enfatizando o papel mediador da docência, numa relação dialógica e interativa.

    A tomada de consciência para Piaget (1977) não é falar sobre a coisa a ser aprendida, mas compreendê-la em sua essência, requer o domínio das particularidades do porquê que o fenômeno ou coisa ocorre. Tomar consciência é sempre uma ação. Porém, ressalta-se que apesar da ação ser consciente e observável, as coordenações e relações mentais que estruturam esta ação, nem sempre são.

    Traçando essa linha de raciocínio entre os conceitos apresentados, reforça-se que a conscientização para Paulo Freire (1979, p. [15]) é associada à liberdade e criticidade.

    A conscientização implica, pois, que ultrapassemos a esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição epistemológica.


    A conscientização é o elemento catalizador de seu pensamento, que se entrelaça com liberdade, libertação e autonomia. É nessa interação que o aprendente toma consciência (PIAGET, 1977) e pelo esforço coletivo e entusiasmo (HOOKS, 2012). Ao ligar esses construtos tem-se uma visão da educação como prática libertadora, engajada, consciente e coletiva. Em que um depende do outro, educador, educando, juntos ensinando e aprendendo.

    Novak e Gowin (1996) trazem as visões humanista e interacionista social, em que propõem que haja uma relação entre pensamentos, sentimentos e ações que conduzam ao engrandecimento humano. Enquanto bell hooks (2013), entende que, além de conhecer e exercer uma prática pedagógica crítica e dialógica, deve-se promover o prazer em sala de aula. Pensar sob a ótica de tais autorias reflete a ideia de que o



    aprendiz cresça a partir dos conhecimentos agregados significativamente, pois tem uma sensação de satisfação e se predispõe a novos conhecimentos.

    Assim, a aprendizagem só se completa quando o conhecimento faz sentido ao cognoscente, que é também sujeito de sua aprendizagem, mas de sua própria vida. É preciso ter relação direta com suas vivências, como nos esclarece Freire (2018, p. 51) “Não há educação fora das sociedades humanas e não há [...]” humanidade no vazio. É neste sentido que Paulo Freire nos apresenta o termo ‘gentificar’. A educação bancária desgentifica discentes, enquanto que a educação libertadora, gentifica, torna o aprendiz, humano. O cenário educacional, no contexto da Covid- 19, assevera esta desgentificação, relevando o fosso digital que separa inforricos e infopobres (RAMONET, 1998), uma vez que o uso das tecnologias digitais se tornou a única opção para a comunidade acadêmica, em tempos de distanciamento social.

    O período da Pandemia de Covid-19 revela, neste sentido, não somente as questões sanitárias que envolvem a doença, mas que a ideia de democratização dos meios e ferramentas digitais não é um fato concreto. Há duas variáveis, ou etapas, a serem pensadas, a primeira delas, do acesso aos equipamentos e a segunda, das competências (informacionais, digitais, comunicacionais e sociais) necessárias ao aprendizado remoto. O termo ‘remoto’ foi designado para as atividades feitas fora do ambiente espacial original de trabalho, dando a ideia de distanciamento. Ocorre que para que este trabalho/ensino remoto seja possível, é necessário o atendimento a essas duas variáveis, ter e saber utilizar.



    Isso impacta no que fora discutido sobre aprendizagem significativa, na medida em que os conteúdos programáticos dos componentes curriculares ofertados na pandemia acabam por dividir a atenção com estas duas variáveis (ter e saber utilizar). Estas estão condicionadas, por sua vez, a outras variáveis, de ordem econômica, social, psicológica e sanitária (especialmente de saúde mental). Segundo Mara Dantas Pereira et al. (2020), houve um aumento do número de casos de transtorno de saúde mental em virtude da contenção social. Cabe destacar que o próprio ambiente acadêmico corrobora, ou desencadeia também tais transtornos, pelos prazos estipulados, pela diversidade de atividades próprias dessa fase da vida aprendiz, pela instabilidade e pelas incertezas profissionais (NOGUEIRA, 2017). Tais fatores impactam na formação discente.


  3. O ATO DE ENSINAR EM TEMPOS ADVERSOS


Conforme relatório Education at a Glance 2021: OCDE indicators2, a pandemia de Covid-19 impactou negativamente a Educação Superior. Tanto o ingresso, quanto a conclusão dos cursos foram afetados. Fatores financeiros, estruturais (materiais, tecnológicos e de espaço físico) e de saúde (física e mental) entram nesta conta. O isolamento social levou educadores e educandos a transformarem seus lares em sala de aula. Ocorre que muitos destes não possuíam equipamentos adequados, e/ou não possuíam expertise para lidar com artefatos digitais como instrumentos de aprendizagem. Para alguns, a solução imediata foi a


2 Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/b35a14e5- en.pdf?expires=1634395510&id=id&accname=guest&checksum=B9E63AF2323DCA BCBBEC08B399C46D3C. Acesso em: 16 out. 2021.



aquisição de equipamentos. Outros, no entanto, não possuíam capital suficiente. A realidade brasileira não dista deste cenário.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), de 20193, aproximadamente 4,1 milhões de estudantes da rede pública não têm acesso à internet. O relatório aponta ainda que o desconhecimento quanto ao uso da internet é também motivo da falta de acesso. Há de se destacar que a zona rural, em relação à zona urbana, tem uma malha de conectividade significativamente menor.. Outro ponto de destaque é o fato de mais de 20% dos respondentes, tanto na zona urbana, quanto na rural, apontarem como fator de ausência da internet a inabilidade de uso deste serviço. Na zona rural, a indisponibilidade do serviço alcança 19% dos respondentes, o que praticamente não ocorre com a zona urbana. Sobre o fator econômico, 25,3% (zona rural) e 26,7% (zona urbana) dos respondentes apontam que o serviço de internet é caro. Os equipamentos também são apontados como caros, no entanto, para uma fatia menor das pessoas entrevistadas (respectivamente 4,2% e 6,6%). Apenas 3,2% (zona urbana) e 3,5% (zona rural) apontam a falta de interesse como motivo. Tais dados mostram que o interesse existe, mas as barreiras econômicas, político-geográficas, tecnológicas e de competências são determinantes nesta falta de acesso.


3 Disponível em: https://brasilpaisdigital.com.br/pesquisa-do-ibge-revela-que-41- milhoes-de-estudantes-da-rede-publica-nao-tem-acesso-a-internet/. Acesso em: 16 out. 2021.



Figura 2 - Situação da Internet no Brasil

Fonte: PESQUISA... (2021).


Ora, se o ambiente web é, no modelo remoto, o principal meio de interação entre docentes, discentes e a própria instituição de ensino, como proceder? O cenário descortina o desafio tanto de uma pedagogia da autonomia, quanto de aprendizagens significativas, sem perder de vista a mecânica que envolve todo este processo dialógico. Cabe, neste sentido, o papel ético de docentes, para fomentar aprendizes daquilo que o Estado, ou o contexto sócio-econômico de onde vem tais discentes, não fora capaz de ofertar. Este processo é, por vezes, paralelo e concorrente. Docentes que, para ensinar seus discentes a usar determinadas ferramentas, devem, primeiramente, eles próprios, aprenderem a usá-las. Foi o caso, por exemplo, da Universidade Federal da Bahia que, no período pandêmico, fez as Jornadas Pedagógicas, com vistas a apresentar e ensinar a usar o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e ofertou, nestas jornadas, oficinas de enriquecimento pedagógico. Podemos afirmar, com base nessa iniciativa, que a competência social



reside também na articulação em detrimento do trabalho isolado. E essa competência social perpassa pela prática dialógica, crítica e cooperativa. Paulo Freire (2021b) aponta que, além da criticidade, a prática docente exige estética e ética; risco, aceitação do novo e rejeição da discriminação; apreensão da realidade; alegria e esperança; curiosidade; generosidade; tomada consciente de decisões; saber escutar; consequentemente disponibilidade para o diálogo. Destaca também que

se deve separar educação de massificação (FREIRE, 2021a).

Refletindo sobre isto, o que se percebe é uma preocupação estética, por parte dos docentes, com seus cenários que, para proporcionar um ambiente agradável e confortável, usam quadros ao fundo, paredes brancas, estantes com livros, iluminação etc. Tal preocupação também tomou conta dos aprendizes. Alguns, no turno oposto, não ligavam suas câmeras, preocupando-se com os espaços onde se encontravam. Muitos destes dividem não somente seus equipamentos de acesso à sala de aula virtualizada, mas espaços físicos com a família. Os sons internos e externos à casa são impedidos de transitar, por meio da desativação do microfone. No entanto, desativar o microfone é, também, fazer calar a própria voz, o que impacta no diálogo educador-educando e no processo de escuta do primeiro.

O aprendizado só é significativo e autônomo quando dialogado. Neste sentido, quebrar o silêncio discente tem sido um desafio ainda maior em tempos de pandemia. É aí que entram as outras duas dimensões do ato e ensinar, em Paulo Freire (2021b), da curiosidade e da alegria e esperança.

Sobre o risco, a aceitação do novo e rejeição da discriminação, é preciso destacar que essa tríade age na pandemia com a resiliência



docente e discente, prórias de um pensamento crítico deste corpo de aprendizagem, na medida em que as aulas remotas são uma atividade nova para as duas categorias. O risco de não alcance das expectativas é também de ambas, o que pode gerar sofrimento no processo e, consequentemente, evasão. Marvola Nolenato, diretora e representante da UNESCO no Brasil, aponta que aproximadamente 7,9 milhões evadiram na pandemia, a nível global (TENENTE; SANTOS, 2021). Entre os fatores geradores da evasão, no contexto brasileiro, há a crise econômica, sanitária e a escassez de recursos e políticas públicas de permanência nas universidades. A rejeição à discriminação perpassa também por esses dados, na medida em que a pedagogia crítica e a própria aprendizagem significativa adentram as salas de aula para mostrar que docentes não estão alheios a essa realidade. Perpassa pelos projetos de extensão que são pensados como mecanismo compensatório, mas perpassa também pelo entendimento de que há o papel da docência, mas há também o papel do Estado, neste processo, não se furtando da crítica, nem temendo possíveis represálias, pelo exercício de apreensão da realidade também apontado por Paulo Freire (2021b).

Para isso, entender a mecânica, o aprendizado mecânico (AUSUBEL, 1968), perpassa pelo exercício resiliente de que os instrumentos e técnicas nascem e são criados em meios hegemônicos de produção, e podem se tornar, na medida de sua oferta e entendimento empoderadores de grupos marginalizados. A educação brasileira, no período da Pandemia, fora desnuda em suas fragilidades e desigualdades sociais e tecnológicas, conforme visto no relatório do PNAD.



Essas lacunas, ou fossos digitais, impactam o próprio trânsito das informações e, consequentemente, o processo de aprendizado, se traduzindo em evasão, desmotivação e sentimento de impotência. Rever e potencializar o uso das ferramentas que se tem disponível é tentar, de maneira crítica e integrada, dirimir tais lacunas.

A área da Informação dialoga com as tecnologias de comunicação, por vezes chamadas de info-comunicacionais (GRAÇA; OLIVEIRA, 2014). Há, no entanto, um desafio herdado, de tal área, da vida pregressa de aprendizagens de discentes, que ingressam na universidade com poucos conhecimentos a respeito do uso de tais tecnologias, conforme Graça e Oliveira (2014), corroboradas pelos relatórios do Pnad e da OCDE. O elo entre educadores da área da Informação e tais discentes é, neste sentido, basilar aos aprendizados futuros, dentro da própria área. Retornando às exigências da educação, de que fala Freire (2021b), é preciso que tais educadores ajam na perspectiva de romper com práticas discriminatórias, rejeitando-as, promover a conduta ética e a criatividade. Tais questões perpassam pelas próprias práticas informacionais docentes.

A competência em informação, por exemplo, dota educadores de habilidades que lhe façam agregar ferramentas que ensejem a vontade de aprendizagem discente. A dimensão social da área coaduna com a pedagogia crítica freireana e com a aprendizagem significativa ausubeliana, entendendo, na prática, que apenas dispor de ferramentas e instrumentos para continuidade das aulas, neste modelo remoto, não é suficiente. É preciso, primeiramente, entender os contextos de onde vem o corpo discente, traduzir este ambiente atípico em algo o mais próximo possível do seu entendimento, com paciência e resiliência, sem perder de



vista que a aprendizagem se dá de forma colaborativa, contextual e sensível. As dimensões da mediação da informação, propostas por Henriette Gomes (2020) - dialógica, estética, formativa, ética e política - podem ser, por exemplo, um caminho de entendimento e aplicação desse modus operandi, na medida em que, conforme afirma a própria autora,


[...] somente na mediação consciente a dialogia é intensificada, tornando exequível o exercício da crítica e a observação das incompletudes e lacunas que promovem a desestabilização dos conhecimentos em cada sujeito, representando ainda uma contribuição para o acionamento do que Vygotsky (1998, 2001, 2003a, 2003b) denomina de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), compreendendo-a como uma instância potencializadora do desenvolvimento interior e da geração de sentidos, circunstância promotora da apropriação da informação pelos sujeitos (GOMES, 2020, online).


Assim, a mediação da informação caminha com a mediação pedagógica e esta mediação pedagógica se usa das competências e habilidades informacionais docentes e discentes para promover uma educação consciente e significativa, crítica e empolgada, dialógica e fazedora das pessoas aprendizes protagonistas. As dimensões quando aplicadas à aprendizagem proporcionam o protagonismo social. Basicamente, o que se pretende aqui é mostrar que, para que educadores possam envolver educandos e ensejar nestes a curiosidade e a autonomia, que se tornem, também, educandos, dado que este cenário é novo para ambos e o próprio campo apresenta fôlego nesta busca.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Entender a aprendizagem significativa como uma troca que considera tentativas, testes, resultados, fracassos, explicações e



inferências e novas tentativas, é entender que o processo pedagógico se dá no diálogo e na prática coletiva, em que docentes e discentes, aprendem juntos. Refletir sobre a prática docente, principalmente neste contexto de mudanças que atualmente observamos, é compreender o outro como um ser passível de ensinar algo, é entendê-lo em sua essência, o gentificando. A sala de aula é um lugar de troca e necessita de uma relação recíproca, em que todos aprendem.

Ao se refletir sobre os caminhos possíveis para o ensino na área da Informação, neste período pandêmico, é preciso que tais questões aqui apontadas sejam consideradas. A aprendizagem significativa, focada no aprendizado e na pessoa, com base na pedagogia freiriana, é um caminho necessário. Entretanto, os impactos das desigualdades sociais, que refletem em todo o processo educativo, são responsáveis por resultados negativos, evasões etc. O desafio é uma educação na contramão do senso comum, transgressora e ciente da condição de inacabamento do ato de ensinar.

A pandemia de Covid-19 não veio sozinha, em seu encalço, já estava o negacionismo, o revisionismo histórico e a crise de autoridade da figura docente, especialmente empreendida por setores de poder da sociedade brasileira. A prática pedagógica crítica é combatente deste exercício de poder e reveladora das estruturas de subalternização que a educação tem passado. Trazer este tema à baila, primeiro como um resumo expandido e, agora, em sua versão completa, é projetar futuros possíveis com os instrumentos e aportes teórico-conceituais que as áreas de informação e a própria pedagogia proporcionam. Não à toa, encerramos as considerações da seção anterior com Henriette Gomes e suas dimensões da mediação da informação. O fizemos por acreditar que



a prática pedagógica não prescinde da informacional, nem o inverso, o que nos revela desejos futuros de continuidade da pesquisa nesta perspectiva. Ensinar é um ato revolucionário e aprender, é insurgente.


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