The use of scientific information to sustain
questionable and fake news on social media: an analysis of posts about vaccines
in a Facebook group
Utilización de información científica para apoyar noticias falsas y dudosas en las redes sociales: un análisis de las publicaciones sobre vacunas en un grupo
de Facebook
Jaqueline Alves Ribeiro
Universidade de
Brasília (UNB)
Brasil
João de Melo Maricato
Universidade de Brasília (UNB)
Brasil
Submetido em: 23/04/2021
Aceito em: 14/06/2021
Publicado em: 28/10/2021
Licença:
Autor para correspondência: Jaqueline
Alves Ribeiro
Email: jaquelinealvesribeiro@yahoo.com.br
ORCID: https://orcid.br/0000-0002-0727-4421
Como citar este artigo:
RIBEIRO, Jaqueline Alves; MARICATTO, João de Melo. O
uso da informação científica para sustentar notícias falsas e questionáveis nas
mídias sociais: uma análise de postagens sobre vacinas em um grupo do Facebook.
REBECIN, São Paulo, v. 8, edição especial, p. 01-15, 2021.
DOI: 10.24208/rebecin.v8i.272
RESUMO
Diante do
crescente uso de fontes de cunho científico para legitimar posicionamentos
pseudocientíficos, esta pesquisa aborda a desinformação, os efeitos negativos
causados pelas notícias falsas e sua influência na tomada de decisão. Este
estudo observou critérios de qualidade da informação e alternativas para a
diminuição de boatos com o objetivo de compreender o uso da informação
científica nas mídias sociais como argumento para sustentar o posicionamento antivacinação e antivacina. Por
meio de pesquisa qualitativa do tipo exploratória fez-se uma coleta de dados
(229 postagens) do período de 1º a 30 de abril de 2018 no grupo público
brasileiro denominado “O lado obscuro das vacinas” - presente na rede social
Facebook – e realizou-se a identificação, classificação e análise das postagens
coletadas. Além disso, analisou-se 15 postagens que utilizam argumentos
científicos a fim de identificar elementos desinformantes
e verificar a pertinência e coerência da fonte científica citada pelo membro do
grupo. Constatou-se que a informação científica é utilizada superficialmente e
se baseiam fortemente em estudos não conclusivos, muitas vezes com conteúdos relacionados
ao assunto da postagem (pertinentes), mas descontextualizados (incoerentes).
Palavras-Chave: Desinformação; Notícias falsas; Análise da
informação; Mídias sociais; Informação científica.
ABSTRACT
In view of the growing
use of scientific sources to legitimize pseudo-scientific positions, this
research addresses disinformation, the negative effects caused by fake news and
its influence on decision making. This study observed information quality
criteria and alternatives for the reduction of rumors to understand the use of
scientific information in social media as an argument to support the
anti-vaccination and anti-vaccine positioning. Through qualitative exploratory
research, data were collected (229 posts) from the 1st to 30th of April 2018 in
the Brazilian public group called “O lado obscuro das vacinas”, present on
the social media Facebook - and the identification, classification and analysis
of the collected posts was carried out. In addition, 15 posts were analyzed
that use scientific arguments in order to identify disinforming elements and
verify the pertinence and coherence of the scientific source cited by the group
member. It was found that scientific information is used superficially and are
strongly based on non-conclusive studies, often with content related to the
subject of the post (pertinent), but decontextualized (incoherent).
Keywords: Disinformation; Fake news; Analysis of
information; Social media; Scientific information.
RESUMEN
Ante el creciente uso de fuentes científicas para legitimar posiciones pseudocientíficas, esta investigación aborda la desinformación, los efectos negativos que provocan las noticias falsas y su influencia en la toma de decisiones. Este estudio observó los criterios de calidad de la información y las alternativas
para la reducción de los rumores
con el fin de comprender el uso
de la información científica
en los medios sociales como argumento
para apoyar el posicionamiento
antivacunas y antivacunas.
A través de una investigación
cualitativa de tipo exploratorio, se realizó una recolección de datos (229 posts)
del 1 al 30 de abril de 2018 en
el grupo público brasileño denominado "El lado oscuro de las vacunas" -presente en la red social Facebook- y se realizó
la identificación, clasificación
y análisis de los posts recolectados.
Además, se analizaron 15
posts que utilizan argumentos
científicos para identificar
elementos de desinformación
y verificar la relevancia y
coherencia de la fuente científica citada por el miembro del grupo. Se comprobó que la información científica se utiliza de forma
superficial y se basa en
gran medida en estudios no concluyentes, a
menudo con contenido relacionado
con el tema del post (relevante),
pero descontextualizado (incoherente).
Palabras clave: desinformación; noticias falsas; análisis de la información; medios sociales; información científica.
A informação de qualidade
é um bem indispensável para o desenvolvimento global. Isso se nota de forma
ainda mais clara a partir do período pós-guerra (ARAÚJO, 2009), em que a
informação começa a ser vista como um recurso econômico que afeta diretamente a
sociedade. Entretanto, alguns usuários e organizações tem utilizado de forma
negativa as mídias sociais - blogs, sites de compartilhamento, aplicativos de
mensagens instantâneas, dentre tantas outras Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) – para deturpar fatos e divulgar inverdades.[1] Chega-se
a questionar se realmente vive-se na Sociedade da Informação ou da
desinformação, uma vez que as notícias falsas já chegaram a superar o número de
compartilhamento de notícias verdadeiras, como ocorreu na semana do processo de
impeachment de Dilma Roussef (GPOPAI, 2016).
O uso
do argumento científico, diante da sua credibilidade perante os cidadãos, pode
ser utilizado de maneira equivocada ou descontextualizada para sustentar
afirmações falsas ou questionáveis sobre vacinas, trazendo problemas à
sociedade e à própria Ciência. Logo, a presente
pesquisa tem o objetivo de compreender o uso da informação científica nas
mídias sociais como argumento para defender posicionamentos antivacina
e antivacinação, questionando se existe pertinência
(relação com o conteúdo) e coerência (relação com o contexto) dos usos do
discurso e fontes de informação científicas para a construção de tais argumentos.
2 SOCIEDADE DA (DES)INFORMAÇÃO E
NOTÍCIAS FALSAS NAS MÍDIAS SOCIAIS SOBRE VACINAS NA ERA DA PÓS-VERDADE
As notícias falsas ou questionáveis na área de saúde tem
um grande impacto na vida das pessoas. Elas são preocupantes porque podem
influenciar a tomada de decisão e causar mudanças nos cenários social, político
e econômico, principalmente em um contexto de pandemia. A desinformação muitas
vezes se utiliza de apelos emotivos e, ao mexer com as crenças e sentimentos
das pessoas, podem influenciá-las a tomar alguma atitude irrefletida, como
deixar de participar de uma campanha de vacinação.
Apesar de sua
importância, as redes sociais devem ser utilizadas com cautela. A propagação de
boatos tem gerado pânico e feito com que doenças antes controladas ressurjam
(KALLÁS, 2016). Diante desse cenário, há uma maior dificuldade de implantar
políticas de saúde pública que controlem o problema, bem como causa gastos
desnecessários com medicamentos sem eficácia comprovada, como ocorreu com a
fosfoetanolamina (o medicamento que popularmente foi associado à cura de
câncer) e, atualmente, com estudos sobre a hidroxicloroquina
que, supostamente, combate a COVID19.
Apesar da Ciência ser
vinculada à credibilidade, o seu mau uso tem levado muitos a desconfiarem de
sua atuação. Como qualquer outro tipo de atividade humana, a Ciência não está
livre de fraudes e erros, inclusive quando se trata de vacinas e medicamentos.
Um caso de grande repercussão foi a publicação do estudo de Andrew Wakefield (1998) ligando autismo a vacina contra o sarampo,
caxumba e rubéola. Publicado em 1998 na revista científica The Lancet, o estudo apresentava um grupo de 12 crianças e contava
apenas com lembranças e crenças dos pais. O estudo não apresentava o controle
rigoroso exigido pela Ciência (GODLEE, 2011) e, posteriormente, notou-se que o
médico possuía conflitos de interesses. O artigo levou 12 anos para ser
retratado e ainda hoje traz consequências. Porém nem sempre a retratação pode
ser atrelada à má conduta ou conflito de interesses e nem sempre ela é
demorada, sendo, por vezes, solicitadas pelos próprios autores que percebem
algum equívoco ou limitação posteriormente. Um caso recente foi o de um artigo
que indicava a possibilidade do uso da hidroxicloroquina
para o tratamento da COVID-19 (MEHRA; RUSCHITZKA; PATEL, 2020).
Em vez de olhar a Ciência com
desconfiança é preciso reconhecer que a sociedade científica cumpriu seu papel
fiscalizatório e que isso faz parte da dinâmica científica e do processo de
produção de conhecimentos. A retratação é um dos controles que podem ser vistos
mais como um ponto positivo do que negativo da Ciência. Naturalmente, deve-se exigir
transparência, mas, deve-se também letrar a população cientificamente e resgatar
a confiança de que a Ciência está a serviço da melhoria da condição humana
(UNESCO, 2003). É importante que a sociedade conheça as dinâmicas científicas e
tenha clareza de que ela evolui questionando, complementando e refutando
estudos anteriores, bem como, não propaguem pesquisas retratadas ou
descontextualizados para fundamentar suas crenças e opiniões pessoais.
A presente pesquisa é de
natureza qualitativa do tipo exploratória. O estudo foi elaborado por meio da
análise de postagens do grupo público “O lado obscuro das vacinas”, que se
encontra na rede social Facebook. O grupo possui o maior número de membros
sobre essa temática: 13.245[2]
Foram encontradas e
coletadas 229 postagens no mês de abril de 2018. Considerou-se para a análise o
conteúdo compartilhando até segundo nível[3]
(exceto em casos em que a primeira fonte já se referia a estudos científicos),
os links para outros sites, as imagens e os comentários feitos pelo membro ao
enviar a informação. Foram analisados apenas o texto dos autores da primeira
postagem. Assim, não foram analisados os comentários subsequentes feitos por
outros usuários. Postagens sobre livros e vídeos não foram analisados em razão
da complexidade da análise e de links quebrados (no caso de vídeos) e, no caso
dos livros, inacessibilidade ao conteúdo. Portanto, foram analisados os
seguintes tipos de documentos: artigos científicos, blogs científicos e outros
documentos relacionados à ciência ou que foram utilizados como se fossem
científicos.
As postagens analisadas
foram classificadas em quatro tipos: postagens
com abordagem científica, sempre que houve nessas uma citação de
profissional da área ou fonte científica;
postagens que disseminam avisos
de vacinação (como um “alerta”) e visões críticas de assuntos relacionados a
vacinação; postagens de relatos de experiência pessoais com vacinas e também de
fontes externas; e postagens com assunto não identificado por apresentar links quebrados ou em que não foi possível identificar seu
conteúdo.
Posteriormente
foram selecionadas aleatoriamente 15 das 33 postagens que citam fontes
científicas e analisou-se qualitativamente cada uma de forma individual, para
verificar se havia pertinência (relação com o assunto) e coerência (relação
contextual)
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Constatou-se
que das 229 postagens analisadas, 106 (46%) utilizaram o discurso científicos
para sustentar argumentos; sendo que 83 (36%) dessas possuem links com
informações contrárias ao uso da vacina ou o conteúdo ou documento mencionados
eram a favor do uso, mas foram interpretados como contrárias pelos membros.
Isso revela que há contradição (por erro de pertinência, interpretação ou má fé)
para defender a não imunização. Esses resultados podem ser visualizados na
Figura 1.
Figura 1 -
Quantidade de postagens quanto ao tipo, conteúdo e citação
Fonte: Dados da pesquisa (2018).
Das 83 postagens mencionadas,
50 (22%) não apresentam fonte científica – o que demonstra uso inadequado do
argumento científico para defender o movimento antivacina
- e 33 (14%) possuem links com referências à documentos científicos. Nota-se que o grupo “O lado obscuro
das vacinas” carece de fontes de qualidade para que o membro tenha a
possibilidade de tomar uma decisão adequada. É importante observar que 11
(4,8%) postagens possuem links com informações a favor da vacinação, mas os comentários de seus membros são
contrários a elas, o que demonstra forte parcialidade do grupo.
Apesar de haver citação
de fontes científicas, tal atributo não garante, necessariamente, a qualidade
da informação, pois essas fontes podem ter sido usadas com erros de
interpretação ou outras falhas que desqualifique a postagem. Considerando as
formas de checagens da IFLA (2017), os critérios para avaliação elencados por
Silva, Luce e Silva Filho (2017, p. 279-280) e os
critérios de qualidade levantados por Tomaél (2008,
p. 11-12) optou-se por avaliar 15 postagens por meio de dois atributos
denominados pertinência (relação com o assunto da postagem) e coerência
(relacionado ao contexto de uso em relação à postagem).
Quanto à análise das 15
postagens que utilizam de fontes científicas, nota-se que todos os links e
comentários são pertinentes, ou seja, relacionados a ao menos algum tema
tratado nas postagens. No entanto, muitas pecam pela falta de coerência (são
citadas fora de contexto): 13 postagens são incoerentes quanto ao comentário do
membro ou quanto ao conteúdo dos links compartilhados. Como definido no
procedimento metodológico, todas as postagens selecionadas contam com fontes
científicas, mas em alguns casos essas fontes possuem conteúdo com
posicionamento contrário ao que o membro do grupo acredita (postagens 6, 9 e
10), ou seja, os estudos são controversos, pois dizem o oposto do defendido
pelo autor da postagem. Percebe-se que o membro compartilha artigo de um blog ou
site sem o devido cuidado de ir até a fonte que originou aquela publicação.
Além disso, alguns membros consideram como verdades absolutas determinadas
pesquisas, defendendo-as como “verdadeira Ciência”, não observando se tratar de
um estudo que não traz respostas conclusivas (postagens 03 e 04) ou até mesmo
que reconheça os pontos positivos da vacinação (postagem 09).
É importante observar que,
apesar da fonte das postagens número 02 e 14 serem coerentes quanto ao
comentário do membro, essa última está desatualizada. As informações são
semelhantes, mas nem todas válidas uma vez que novos estudos sobre o tema já
foram publicados. É natural, na Ciência, que conhecimentos sejam atualizados,
devendo ser considerados para embasar quaisquer afirmações. É difícil
acompanhar os desenvolvimentos científicos, sobretudo por não especialistas,
mas, na dúvida, não se deve utilizar dessas informações, pois as consequências
podem ser irreparáveis.
A desinformação é, muitas vezes, difícil de
ser identificada devido a grande quantidade de links
que ligam um site a outro ou quando uma informação é alterada e repassada
infinitas vezes (não há controle de versões). Isso desestimula e até
impossibilita a verificação da veracidade das informações. Em alguns casos, o
artigo inicial citado já não existe mais (exemplo da postagem 12), situação
semelhante a experiência relatada por Bastos (2016)[4].
Apesar de não ter havido muitos casos nessa amostra, algumas postagens não
permitiram o acesso direto a fonte online,
dificultando a checagem da informação. Os sites de Mike Adams (mencionado na postagem
04) muitas vezes citam fontes sem disponibilizar links para acessá-las ou são
autorreferenciais. Dificultar o acesso à informação é uma das características
que pode indicar a desinformação.
Das 15 postagens, apenas
a segunda postagem não aparenta ter elementos que desinformam, porém não
aprofunda o estudo. Todas as demais postagens possuem alguma característica que
as desqualificam em algum ponto, havendo forte predominância de uso de fontes
científicas pertinentes ao assunto, porém, utilizadas de maneira
descontextualizada (incluindo controversas, refutadas ou retratadas).
É importante lembrar que
a Ciência não afirma que as vacinas são 100% seguras. Existem estudos apontando
riscos e as próprias bulas alertam sobre reações adversas, contraindicações,
interações medicamentosas, advertências, recomendações etc., mas tomar todas
advertidamente ou deixar de tomá-las por completo pode ser fatal. Extremismos
são perigosos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não cabe ao campo da
Biblioteconomia e Ciência da Informação atestar se vacinas são ou não
perigosas, mas contribuir para que a sociedade compreenda o contexto científico
e informacional em que estão inseridas, bem como, conheçam as fontes de
informação, contribuindo para a competência informacional dos indivíduos, para
que não sejam vítimas da desinformação. Desta forma, conclui-se que, de modo
geral, os argumentos contrários a vacinação do grupo “O lado obscuro das
vacinas” são, por vezes, superficiais e baseiam-se em estudos não conclusivos,
com conteúdo muitas vezes pertinentes (relacionados ao tema), mas, em geral,
incoerentes (descontextualizados, controversos, superados). Sugere-se a toda a
sociedade que busquem maior compreensão e conhecimentos das dinâmicas de
produção e comunicação da Ciência e evitem se informar por fontes duvidosas. Antes
de utilizar qualquer medicação, a sociedade deve considerar as recomendações
das autoridades científicas da área de saúde.
Diante da decisão de
tomar ou não uma vacina, o conhecimento científico deve ser considerado, pois as
descobertas científicas contam com procedimentos rigorosos e mecanismos de
controle robustos. Apesar das suas falhas, esses conhecimentos vão além do
conhecimento adquirido através da observação superficial, muitas vezes
enviesada e afetada por emoções e crenças pessoais típicas do senso comum. O
letramento científico é uma
tarefa indispensável para construir uma sociedade forte do ponto de vista
educacional, social e econômico. Como dizia Sagan (1996, p. 39), vive-se
em uma sociedade dependente da Ciência e da tecnologia, no entanto quase
ninguém sabe sobre esses temas, o que constitui uma receita para o desastre.
REFERÊNCIAS
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https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(97)11096-0/fulltext.
Acesso em: 10 abr. 2021.
[1] Neste estudo será considerado inverdade o
que não é vinculado por fontes oficiais, dados públicos e pesquisas
científicas, ou seja, o que não é “fato”, conforme definido pelas agências de fact-checking.
[2] Quantidade de membros até a data de
04.07.2018.
[3] Página de um site/blog ou referência do
link compartilhado, ou seja, a “fonte da fonte”.
[4] Bastos (2016) notou que as postagens iniciais
eram apagadas pelos gestores do grupo Utilidade Capixaba – ES – UP, que a autora
analisou no Facebook, de modo que só as repercussões se mantinham no ar,
dificultando a checagem das informações.