Museus, turismo e o uso de ferramentas tecnológicas

 

Museums, tourism and the use of technological tools

 

Museos, turismo y uso de herramientas tecnológicas

 

 

Priscila Maria de Jesus

Universidade Federal de Sergipe

Brasil

 

Valéria Oliveira Barbosa

Universidade Federal de Sergipe

Brasil

 

Janaína Cardoso de Mello

Universidade Federal de Sergipe

Brasil

 

 

Submetido em: 23/04/2021

Aceito em: 14/06/2021

Publicado em: 28/10/2021

 

Licença:

 

Autor para correspondência: Priscila Maria de Jesus

Email: priscilamdj@gmail.com

ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4592-279X

 

Como citar este artigo:

JESUS, Priscila Maria de; BARBOSA, Valéria Oliveira; MELLO, Janaína Cardoso de. Museus, turismo e o uso de ferramentas tecnológicas. REBECIN, São Paulo, v. 8, edição especial, p. 1-12, 2021. DOI:  10.24208/rebecin.v8i.271 

RESUMO

 

A compreensão da cidade e do patrimônio dentro de uma lógica própria que impulsione o turismo, tendo como fio condutor o uso de ferramentas tecnológicas a exemplos de QR Codes e aplicativos que permitam o livre acesso a informações e roteiros patrimoniais, impulsionou o desenvolvimento da presente pesquisa. Partiu-se da análise de conceitos como cidades inteligentes, cidades criativas e economia criativa e sua relação com Patrimônio Cultural e Turismo para entender o estudo de três experiências realizadas entre os anos de 2014 e 2018, em vários estados brasileiros, que tinham por objetivo analisar o uso de ferramentas de baixo custo desenvolvidas para o gerenciamento e comunicação de massa. Por metodologia optou-se pela pesquisa qualitativa, tendo por método o exploratório. Percebeu-se que o uso de ferramentas digitais permite uma maior interação e divulgação das atividades culturais no que tange Turista > Cultura, seja por meio da difusão de práticas educativas, patrimônio preservado e comunidade produtora.

 

Palavras-Chave: Cidade Inteligente; Economia Criativa; Patrimônio Cultural.

 

ABSTRACT

 

The understanding of the city and the heritage within its own logic that impels tourism, having as its guiding thread the use of technological tools such as QR Codes and applications that allow free access to information and heritage itineraries, boosted the development of this research . It started from the analysis of concepts such as smart cities, creative cities and creative economy and its relationship with Cultural Heritage and Tourism to understand the study of three experiences carried out between the years 2014 and 2018, in several Brazilian states, which aimed to analyze the use of low-cost tools developed for mass management and communication. Qualitative research was chosen as the methodology, using the exploratory method. It was noticed that the use of digital tools allows for a greater interaction and dissemination of cultural activities regarding Tourism > Culture, either through the dissemination of educational practices, preserved heritage and the producing community.

 

Keywords: Smart City; Creative economy; Cultural heritage.

 

RESUMEN

 

La comprensión de la ciudad y el patrimonio dentro de una lógica propia que potencia el turismo, teniendo como hilo conductor el uso de herramientas tecnológicas como los Códigos QR y las aplicaciones que permiten el libre acceso a la información y las rutas patrimoniales, impulsó el desarrollo de esta investigación. Se partió del análisis de conceptos como ciudades inteligentes, ciudades creativas y economía creativa y su relación con el Patrimonio Cultural y el Turismo para entender el estudio de tres experiencias realizadas entre los años 2014 y 2018, en varios estados brasileños, que tenían como objetivo analizar el uso de herramientas de bajo coste desarrolladas para la gestión y la comunicación de masas. Para la metodología se optó por la investigación cualitativa, teniendo como método el exploratorio. Se observó que el uso de las herramientas digitales permite una mayor interacción y difusión de las actividades culturales en materia de Turismo > Cultura, ya sea a través de la difusión de las prácticas educativas, el patrimonio conservado y la comunidad de producción.

 

Palabras clave: Ciudad inteligente; Economía creativa; Patrimonio cultural.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O texto apresenta três pesquisas desenvolvidas entre 2014 e 2018, analisadas no Trabalho de Conclusão de Curso de Museologia defendido em 2020. As pesquisas, financiadas no Programa Institucional de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI), da Coordenação de Inovação e Transferência de Tecnologia (CINTTEC), indagaram: Como difundir as informações de museus e patrimônios culturais usando tecnologias sociais digitais para o turismo cultural? Justifica-se a importância de ferramentas de baixo custo, com uma gama de possibilidades de catalogação ao acesso a dados armazenados em nuvens, conferindo ainda o compartilhamento social de museus, patrimônios culturais e Indicações Geográficas (IG) no compasso da comunicação digital no século XXI.

A metodologia de pesquisa exploratória com análise qualitativa, norteou-se por um roteiro de visitas técnicas para coleta de dados e aplicação. A base teórica centrou-se no Patrimônio Cultural, Cidades Criativas, Economia Criativa, Turismo Criativo, Cidades Inteligentes, Destino Turístico Inteligente, resultando na criação e testes de sites e aplicativos para smartphones com acesso via QR Codes.

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

 

Nas cidades contemporâneas as inovações tecnológicas cidadãs integram a rotina das pessoas, congregando setores e instituições. Nos espaços culturais as tecnologias apoiam a salvaguarda e preservação do patrimônio cultural. As Cidades Inteligentes têm em comum o uso de tecnologias aplicadas às demandas urbanas, no gerenciamento rápido de informações e serviços acessíveis aos cidadãos (SU et al., 2011, p.1028). Cinco qualidades as definem como portadoras de: “economia inteligente; pessoas inteligentes; governança inteligente; mobilidade inteligente e ambiente inteligente” (RIZZON et al., 2017, p.126).

Greco e Bencardino apresentam três abordagens de Smart City: 1) Tecnocentrada, com ênfase em hardware e novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), 2) Centrada no cidadão, com destaque para os capitais sociais e humanos e 3) Integrada, na qual uma smart city reúne capitais sociais e humanos à tecnologia para gerar crescimento e inovação (apud RIZZON et al., 2017, p.127).

A dimensão humanizada da inteligência nas Cidades Inteligentes inspirou Richard Florida (2002) a identificar algumas como “cidades criativas”, evidenciando os valores e desejos da nova classe criativa, constituída pelo talento e conhecimento de cientistas, artistas, empresários, artesãos e outros, que influenciam e decidem a administração dos espaços de trabalho, influenciando a prosperidade das cidades.

A classe criativa procura um espaço de pertencimento e interação, levando empreendimentos para localidades com diversidade cultural, tolerância, talento e manifestações coletivas. Ao pensar critérios para medir as capacidades criativas de uma região, tendo como parâmetros a inovação e os resultados na economia, Florida (2002) teceu o “índice de criatividade”, identificando na “base de uma região, em geral na economia criativa, o potencial econômico" (FLORIDA, 2002, p.16).

A criatividade emerge como a capacidade de criar ou o vetor criativo de “novas ideias ou novas maneiras de entender problemas ou novos modos de ver oportunidades nas mudanças diuturnas da sociedade e do mercado na atualidade” (MORAES et al., 2013, p.75). Os discursos de valorização da criatividade como motor econômico surgem em meados de 1990 e seguem em transformação. Um dos fatores desse crescimento foi a globalização, ocasionando a resposta da economia criativa contra a homogeneização de identidades singulares (REIS, 2011).  

Ao classificar os setores da Economia Criativa a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), órgão intergovernamental da Organização das Nações Unidas (ONU), os dividiu em conjuntos produtivos identificados em “tradições, arte, mídia e criações funcionais” (CALABRE, 2013, p.43). Cada grupo, subdividido em habilidades profissionais, proporciona serviços inovadores e distintos, se conectando à ideia de classe criativa citada por Richard Florida (2002).

O patrimônio material e imaterial tem um longo percurso na economia criativa, pois “as ações que visam o reconhecimento e a preservação dos bens culturais envolvem, obrigatoriamente, o poder público, seja na esfera federal, estadual ou municipal” (MORAES et al., 2013, p.21). Além de aderir à economia criativa, é preciso clareza no registro de bens imateriais e no tombamento da cultura material, consolidando atitudes de preservação acolhidas pelos grupos sociais nas representações de suas histórias e memórias (MORAES et al., 2013).

Os museus se empenham em fortalecer e estimular a cultura popular comunitária. O patrimônio cultural local gera sentimentos de pertencimento e zelo. Ambos podem se inserir nas propostas de cidades criativas. O acervo e o patrimônio musealizados “testemunham o contexto humano, com mais intensidade do que se colocado isoladamente em espaços museológico tradicionais” (MORAES et al., 2013, p.23), por isso muitos deixam as instituições para afirmar-se "museus a céu aberto” onde as artes reinam livres com grafites em muros, esculturas urbanas em metal ou concreto, centradas em sensibilidades humanas (SOARES, 2012, p.69).

As tecnologias digitais na salvaguarda de informações museais e patrimoniais auxiliam no desenvolvimento cultural e econômico da população. A difusão da economia criativa via tecnologias digitais, compartilhando informações, confere visibilidade, agrega valor e serviços com características únicas. Assim, uma cidade criativa, no processo de patrimonialização (LIMA, 2012, p.34) e/ou musealização (LOUREIRO; LOUREIRO, 2013), pode assimilar preceitos de cidades inteligentes (ASHTON, 2018) favorecendo o turismo cultural (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2010).

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

        

A partir das discussões teóricas, três iniciativas fizeram a relação entre “tecnologia > patrimônio > cidade”, com a aplicação de recursos de baixo custo, na extroversão de informações de museus e patrimônio cultural favorecendo a cidadania, o turismo cultural e a economia criativa.

         O primeiro projeto “QR Code Cultural/SE: Aplicativo locativo para museus de Sergipe” (2014-2015) desenvolveu um app para vivência tecnológica do visitante à cidadania através de um site e QR Codes com acesso às exposições do Memorial do Poder Judiciário no Palácio Sílvio Romero e do Centro de Memória Eleitoral Desembargador José Antônio de Andrade Goes (CEMEL) no Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe (TRE-SE).

Visitou-se as instituições para levantar o acervo, estudar a documentação museológica, captar o audiovisual, elaborar QR Codes e o site com informações das exposições dos museus, testando os instrumentos criados. No decorrer produziu-se experimentações em praças públicas e escolas, utilizando a leitura de QR Codes por smartphones e tablets para acesso ao app (Figura 1).

 

 

 

 

 

Figura 1 - Experimento na praça da Catedral, Aracaju/SE

Fonte: Foto Valéria Oliveira (2015).

 

O segundo projeto “MAPTOUR-IG/BRA - Aplicativo e QR Code Turístico” (2016-2017) desenvolveu um app acessível por smartphones e tablets, com um marketing turístico digital em aeroportos das Indicações Geográficas (IG) culturais brasileiras, divulgando produtos artesanais e saberes tradicionais com IGs concedidas pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

As IGs são “[...] ferramentas coletivas de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios. Elas possuem duas funções [sic] agregar valor ao produto e proteger a região produtora” (GIESBRECHT, 2016, p.10), sendo importante o registro no combate ao comércio indevido de produtos e serviços com denominação de origem (DO) e indicação de procedência (IP). Garante qualidade, identidade territorial e histórico-cultural, potencializando a economia e as tradições. O app Maptour divulga treze IGs com IP (Norte, Nordeste, Sudeste e Sul), dentre trinta indicações registradas em 2017, roteirizando-as em um Destino Turístico inteligente (DTI) no app, disponível via QR Codes, articulado à salvaguarda patrimonial e ao turismo comunitário e sustentável.

Após levantar dados de economia e turismo criativos, mapear, roteirizar, criar QR Codes e alimentar o site (Figura 2), realizaram-se testes em três aeroportos internacionais: Rio de Janeiro (Galeão), São Paulo (Guarulhos) e Viracopos (Campinas) que permitiram aperfeiçoar o site e o app.

 

Figura 2 - Layout do protótipo do site MapTour

Fonte: Disponível em: https://maptour2017.wixsite.com/meusite

 

Nessa premissa, o projeto “SergipeCult Digital” (2017-2018) mapeou digitalmente o patrimônio imaterial sergipano (Samba de coco, Taieiras, Cacumbi, Chegança, São Gonçalo etc.) e os Encontros Culturais de Laranjeiras e Japaratuba (SE). Em pesquisas in loco, coletaram-se registros audiovisuais, inventariou-se grupos e mestres para biografias coletivas e roteiro turístico cultural com o receptivo.

Figura 3 - Ícone do App e Marca Mista SergipeCult.

Fonte: Elaboração coletiva (2018).

O app (Figura 3) acolhe as demandas locais, com a topografia dos folguedos sergipanos, datas de apresentações, contatos dos mestres, infraestrutura turística, distâncias das cidades, facilitando o acesso ao turista, a otimização do tempo e a autonomia no planejamento da viagem. Cada feedback ajuda a aperfeiçoar o atendimento futuro. Divulga-se o potencial de cidade criativa de São Cristóvão e Maruim, mesclando tradição e inovação.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O fio condutor dos três projetos está no uso de tecnologias digitais sociais de informação e comunicação (TIDIC) para o acesso democrático e cidadão às informações de museus e patrimônios culturais, apoiando a economia criativa e o turismo cultural no diálogo com cidades e destinos inteligentes.

A digitalização da comunicação em museus, à exemplo do CEMEL/TRE-SE, gera impacto positivo e reconhecimento do valor destes para a sociedade. O registro das informações permitiu a catalogação e o armazenamento de conteúdos em nuvens, criando mais um canal a serviço do aprendizado da cidadania.

As ferramentas digitais conferem maior visibilidade às IGs dadas a conhecer via um roteiro integrado ao turismo cultural disseminado pelo marketing digital em aeroportos. Apps, sites e QR Codes atuam na salvaguarda de informações patrimoniais, potencializando o desenvolvimento econômico e cultural da população.

Por fim, o uso de tecnologia no inventário do patrimônio imaterial dos municípios sergipanos na perspectiva dos Destinos Turísticos Inteligentes, auxilia na interação do turista com a comunidade residente e produtora de cultura do destino turístico, sendo o app também afeito à salvaguarda, difusão e educação patrimonial.

 

REFERÊNCIAS

 

ASHTON, M. S. G. (org.) Cidades Criativas. Vocação e Desenvolvimento. Novo Hamburgo: Feevale, 2018.

 

CALABRE, L. (orgs.) Políticas culturais: informações, territórios e economia criativa. São Paulo: Itaú Cultural; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. 2013.

 

MORAES, A. D. L.; GIMENEZ, F. A. P.; CAMARGO, E. C.; MOROZ, V.; KLOSOWSKI, F. (orgs.) Economia Criativa: conhecimento e empreendedorismo para uma sociedade sustentável. Curitiba: UFPR, 2013.

 

FLORIDA, R. The Rise of the Creative Class- Why cities without gays and rock bands are losing the economic development race. The Washington Monthey, 2012. Disponível em: https://www.os3.nl/_media/2011-2012/richard_florida_-_the_rise_of_the_creative_class.pdf. Acesso em: 13 mar. 2020.

 

GIESBRECHT, H. O.; MINAS, R. B. A.; GONÇALVES, M. F. W.; SCHWANKE, F. H. (orgs.) Indicações geográficas brasileiras. Brasília: SEBRAE/INPI, 2016.

 

LIMA, D. F. C. Museologia-Museu e Patrimônio, Patrimonialização e Musealização: ambiência de comunhão. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 7, n. 1, p. 31-50, jan./abr. 2012.

 

LOUREIRO, M. L. N. M.; LOUREIRO, J. M. M. Documento e musealização: entretecendo conceitos. MIDAS [Online], v. 1, 2013. Disponível em: http://journals.openedition.org/midas/78, Acesso em: 15 mar. 2020.

 

MINISTÉRIO DO TURISMO. Turismo Cultural: orientações básicas. Brasília: Ministério do Turismo, 2010.

 

REIS, A. C. F. Cidades Criativas: Análise de um conceito em formação e de pertinência de sua aplicação à cidade de São Paulo. 2011. Tese (Doutorado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, São Paulo, 2011.

 

RIZZON, F.; BERTELLI, J.; MATTE, J.; GREAEBIN, R. E.; MACKE, J. Smart City: um conceito em construção. Revista Metropolitana de Sustentabilidade, v. 7, n. 3, p.123-142, set./dez. 2017.

 

SOARES, B. C. B. A experiência museológica: Conceitos para uma fenomenologia do Museu. Revista Eletrônica do PPG-PMUS/Unirio/MAST, v. 5, n. 2, p. 55-71, 2012.

 

SU, K.; LI, J.; FU, H. Smart City and the Applications. 2011 International Conference on Electronics, Communications and Control (ICECC), p.1028-1031. Disponível em: http://doi:10.1109/icecc.2011.6066743, Acesso em: 15 mar. 2020.