Marshall Mcluhan e o ciberspaço: o ambiente como questão
informacional
Marshall Mcluhan and the cyberspace: the environment as
informational problem
Marshall
McLuhan y el ciberespacio: el ambiente
como cuestión informativa
Ramon Ordonhes
ECA/USP
Brasil
Plácida Leopoldina Ventura Amorim da Costa Santos
PPGCI/UNESP-Campus Marília
Brasil
Submetido em: 23/04/2021
Aceito em: 14/06/2021
Publicado em: 28/10/2021
Licença:
Autor para correspondência:
Ramon Ordonhes
Email: ramon.ribeiro@usp.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5764-2704
Como citar este artigo:
ORDONHES, Ramon; SANTOS, Plácida Leopoldina
Ventura Amorim da Costa. Marshall Mcluhan e o ciberspaço: o ambiente como questão informacional.
REBECIN, São Paulo,
v. 8, edição especial, p. 01-11, 2021. DOI: 10.24208/rebecin.v8i.270
RESUMO
A emergência das Tecnologias
de Informação e Comunicação (TIC) tem alterado de maneira drástica a dinâmica
das relações humanas com suas instituições, em especial, seu relacionamento com
o Estado e suas instâncias políticas. Este trabalho investiga o papel do Ciberespaço
na dinâmica sociopolítica, por meio da análise das características mediáticas
da Web como ponto de referência para tais transformações. E, para tanto,
recoloca na ordem do dia a tese de Marshall McLuhan, como questão: “o meio
é a mensagem”. No mais, esta apresenta-se como uma pesquisa teórico-exploratória de caráter bibliográfico,
a partir de incursões na literatura, com o objetivo de examinar o conceito de media como fundamento para a construção de um
ambiente informacional. Como resultado, espera-se evidenciar um mosaico
conceitual que desvende pontos importantes sobre o desempenho do Ciberespaço na
dinâmica entre Estado e sociedade, a partir dos aportes teóricos trazidos pela área
da Ciência da Informação e disciplinas relacionadas.
Palavras-Chave: Ciberespaço; Informação
e tecnologia; Ambiente informacional; Comunicação telemática; Teoria da
informação.
ABSTRACT
With the emergency of
information and communication technologies (ICT) the dynamic of human relations
has been changed in a drastic way, specially, on the relationship around the
State and the Government bodies. This research put the highlights on –
questioning about – the role of the Cyberspace in the political and social
dynamics; or better: its intents identify the media features about Web as
a landmark to that transformations. And for this, relocate the Marshall McLuhan
issue: “the medium is the message”. It presents itself as a theoretic and
exploratory research, from the specific literature incursions with a
bibliographical disposition, to analyze the media concept such as a
ground for the particular informational environment.
So, as an attainment or research results is expected to formulate a conceptual
schema to answer those questions about the role of Cyberspace in the dynamic
between State and Society, from the Information Science frameworks and related
knowledge areas.
Keywords: Cyberspace;
Information and technology; Informational environment; Telematic communication;
Theory of Information.
É comum identificar tecnologia apenas
como “ferramenta”. Tradicionalmente, indicando certo dualismo, aliás, se
teria o homem como o operador da máquina e esta como
mera coisa à mão. Porém, essa perspectiva não alcança a importância que a tecnologia
tem para a existência humana (MCLUHAN, 1979). Segundo Santos e Vidotti (2009, p. 1) “[…] a tecnologia inclui a totalidade
da nossa cultura material, e não apenas ferramentas e máquinas”. Esta “[...]
reflete o modo de pensar e os valores de cada cultura e de cada sociedade.”
Enfim, “ela é a formadora do ambiente concreto da sociedade, pois se refere a
todo segmento do universo físico socialmente apropriado.” Isto é, sua realidade
concreta e objetiva reflete sobre o campo subjetivo de cada cultura: a saber, “as
tecnologias da comunicação, como a tecnologia em geral, não são neutras, [...]
não são um mero instrumento de que se serve um sujeito individual ou coletivo, para
agir no mundo,” afirma Capurro (2012), “mas elas
transformam a natureza mesma da relação entre o sujeito e o mundo e, por
conseguinte, a própria auto-compreensão do agente
moral humano.”
As extensões tecnológicas seriam fios que
tecem a invisível rede da cultura. A tecnologia nos envolve por todos os cantos
(KERCKHOVE, 2009). E, a propósito, se poderia notar uma associação entre o meio
de comunicação e os processos culturais que dele emergem (MACLUHAN, 1979). O
Ciberespaço, enquanto um campo observável, justamente aí se insere:
afastando-se do reducionismo tecnológico de vê-la apenas enquanto ferramenta,
como podemos interpretar, enquanto ambientes formadores, as redes digitais e
esferas da informação? Eis o norte da pesquisa.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O
Ciberespaço tende à formação de um meio
comunicacional multidirecional em via dupla, conectando indivíduos de infinitas
opiniões e discursos. Dotado, todavia, de uma expansão em alto grau, tal
ambiente tem crescido e se consolidado tanto no que tange a criação de espaços
de discussão emergentes dentro de sua atmosfera, quanto à crescente
tomada das várias esferas da vida humana: relações de amizade, trabalho,
consumo, entretenimento, e assim por diante, se fazem nesse mundo virtual. Na definição
primordial e não necessariamente “científica” – mas, artística, literária – que
o termo recebeu, William Gibson (2003 apud MONTEIRO, 2007) diz que o Ciberespaço é:
Uma alucinação consensual
vivida diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as noções, por crianças aprendendo altos conceitos
matemáticos; uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de dados
de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas
de luz abrangendo o não-espaço da mente;
nebulosas e constelações infindáveis de dados. Como marés de luzes da cidade.
Relações
comunicativas se consolidam na condição do mundo virtualizado (LÉVY,
1993). Desse modo, a Web perpassa interna e externamente nossa existência,
nossas interações e nossa cultura. Esse universo cibernético que nos cerca,
segundo Monteiro (2007), não está em lugar
nenhum, mas que pode ser acessado de todo canto, acabou por virar uma espécie
de nova fronteira. A priori, segundo Lévy (2001, 2003) várias delimitações e
abismos de acesso e movimento não mais se aplicam como no mundo dos territórios
(dos Estados-Nação). Lugar este, onde o
ponto de fuga do mundo pictórico (visual) não se caracteriza, a priori, como
sendo a referência; onde o movimento e o entendimento são sinestésicos: o Ciberespaço se mostra uma dimensão fria, segundo a
escola de Toronto, com poucas demarcações e cheia de possibilidades; meio no
qual, se exige a ação e completude dos sentidos e do próprio espaço, pelo indivíduo
que nele está. Essas novas percepções ocasionadas pelo ambiente, segundo
McLuhan (1979), reformulam nossos conceitos e organizações (estrutura social).
Nessa medida:
Os meios todos nos processam
completamente. São tão penetrantes em suas consequências pessoais, políticas, econômicas,
estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais que não deixam em nós nenhuma
parte intocada, não afetada, inalterada. [...] [assim], nenhuma compreensão da mudança
social e cultural é possível sem um conhecimento de como os meios operam
como ambientes. (MCLUHAN; FIORE, 2011, p. 26)
Dentre
as inúmeras esferas pessoais e sociais afetadas por esse fenômeno, estão as instâncias
políticas. Ante as discussões que tangenciam a esfera política, há o
encontro, instanciado pelas tecnologias, de grupos de indivíduos que constroem
conjuntamente soluções e saídas para problemas comuns (ANTOUN, 2010). Dados
seus atributos e características, os meios de comunicação criam possibilidades
de leitura e assimilação. Contudo, em sua maioria, possuem via única de transmissão
do suporte e meio para o sujeito a que se destina a mensagem. Ou seja, mesmo
meios de comunicação de massa – com tecnologias mais avençadas e complexas –,
como a Televisão, o Rádio, trabalham nesse sentido. Estes têm, de forma geral,
uma dinâmica moldada no modelo comunicacional estelar: um emissor nuclear que
emana ou transmite informação para todas as direções, a partir de seu centro
(LÉVY, 2001, 2003). Entretanto, o Ciberespaço,
fruto das telecomunicações e da Informática, agrega vários atributos dos
suportes anteriores. Mas, para além disso, a Web tem a peculiaridade de
fundir vários meios. Incorporá-los em sua
fisiologia e cultura (MONTEIRO, 2007). A saber:
[...] hoje vivemos uma
verdadeira confraternização geral de todas as formas de comunicação e de
cultura, em um caldeamento denso e híbrido: a comunicação oral que ainda
persiste com força, a escrita, no design, por exemplo, a cultura de massas que também
tem seus pontos positivos, a cultura das mídias, que é uma cultura do disponível,
e a cibercultura, a cultura do acesso (SANTAELLA, 2003, p. 27-28).
Aspecto
importante do Ciberespaço é o de
propiciar o retorno das formas antigas de transmissão: a oralidade, os diálogos
entre pequenos grupos são retomados pelo uso dessa tecnologia. Somos assim, re-tribalizados pelo estágio de realidade em potência
que a virtualidade nos proporciona (MCLUHAN, 1979; LÉVY, 2001).
Dá-se, de alguma maneira, a realização da Aldeia global (MCLUHAN,
1979). Todavia, é importante lembrar que, na cibercultura, há uma segmentação
dos públicos e das massas. A saber:
[...] as interações humanas,
que se deram [...] nas esferas do público e do privado, ganham novos contornos
temporais e territoriais possibilitados pelas [TIC], que interconectam atores e
segmentos sociais de todos os cantos, [...]. Tais interações envolvem [...] dimensões
simbólicas, as quais são suscitadas tanto pelas interfaces entre o homem e o
computador quanto pelas trocas virtuais entre as culturas geradoras de
diferentes perspectivas, anseios e valores [...] (VELLOSO, 2008, p. 109).
Segundo
Santaella (2003), no recém-nascido século XXI, não estamos atentos de forma
globalizada a uma experiência única levada para todos os lares ao mesmo tempo.
Há, contudo, microuniversos de grupos das mais variadas proporções que
interconectam indivíduos, por meio de seus interesses, de modo a criar sensações
e experiências diversas, dentro de nichos e subsistemas. Isto não é uma desestruturação
das políticas de massa, mas um desdobramento desta. Na era da TV, vimos, juntos
e ao mesmo tempo, a chegada à Lua. Hoje, nas redes sociais, temos a vinculação
de sujeitos-atores na composição de pequenas comunidades de interesse. A
estrutura digital e virtualizada permite-nos, então, intercambiar o global e o
local, em temporalidades distintas (LÉVY, 2001).
Retomando
as explorações de McLuhan (1979, 1977), a Rede das redes pode resgatar
algumas características e linguagens do universo tribal, como mencionado acima.
De modo que, em certo grau, é importante frisar, aquela antiga forma oral
de se passar conhecimento em comunidade está de
volta, mas em nível astronômico. Entretanto, no universo pré-alfabetizado,
existia a perspectiva ou noção do ancião, do sábio, do sujeito que carregava
uma enorme quantidade de saberes e que era um centro de conhecimento.
Constituindo assim, uma via de transmissão de um para muitos, poucos para
muitos.
No
que toca a Web colaborativa, os saberes, as discussões são processadas de
muitos para muitos. Desconstruindo em certa medida as verticais hierarquias
das relações de poder e transmissão de conhecimento (LÉVY, 2003). Por
essa lógica, poderíamos argumentar, segundo Velloso (2008, p. 103), que:
Abordar o Ciberespaço como ambiente das ações e interações dos
sujeitos sociais organizados, sob a percepção de que as redes que se compõem na
sociedade não reinventam, na sua essência, os movimentos sociais, mas
certamente lhes conferem outras dimensões culturais, sustentadas pela
diversidade e amplitude das conexões ensejadas pelas tecnologias da informação
e da comunicação, determinantes para a instauração da (ciber)cultura
contemporânea.
Na
gênese dessa grande teia há uma ferramenta
essencial e indispensável à sua utilização: o hipertexto. Por ele se
estabelecem processos fragmentados e transversais de leitura e navegação nos
ambientes digitais e, também, infinitas possibilidades de comunicação por meio
do contato direto ou indireto dos recursos informacionais (LÉVY, 1993, p.
33). De modo que, através dos links e hiperlinks, todo e qualquer
página ou documento se encadeia, se relaciona em potencial. A Internet é
um enorme hipertexto por princípio. A saber:
O estabelecimento de conexão
[...] entre terminais e memórias informatizadas e as extensões das redes
digitais de transmissão ampliam [...] um ciberespaço
mundial no qual todo elemento de informação encontra-se em contato virtual
com todos e com cada um (LÉVY, 2003, p. 11).
Assim,
por meio da possibilidade de acesso e criação de recursos, documentos (espaços
de discussão), constrói-se uma via de comunicação aberta, em escala mundial.
Desdobram-se daí ambientes informacionais com
largura colossal e crescimento informacional de mesma proporção.
3 RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A
estrutura da rede parece ser a trama fundamental das relações que tecem a vida
quotidiana (KASTRUP, 2010). O Ciberespaço, forma totalizante desta, é o
desdobramento das ações privadas e estatais possibilitadas pelo ambiente elétrico
descrito por McLuhan (1979). O
problema deste breve escrito, nesse sentido, se estabelece, justamente, sobre a
tese de McLuhan – “o meio é a mensagem” –, como base para a reflexão de um
ambiente conformador das atitudes e comportamentos da sociedade contemporânea.
Em especial, o potencial democrático veiculado pelo media
do Ciberespaço. Acerca disso, talvez a maior contribuição do autor
para este trabalho se resuma à compreensão do comportamento dos meios e seus
ambientes, mas inclua, também, a necessidade de se perceber a pressão que cada
ambiente acarreta sobre uma sociedade.
4 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A Ciência da Informação (CI),
como aponta Borko (1968) – sendo esta
uma disciplina que investiga o comportamento da informação, desde sua criação
ao uso, bem como os ambientes informacionais onde isto se dá –, deve perceber a
ecologia desses meios. A noção ética que emerge desta
discussão se encaminha para a própria CI e à percepção acerca dos ambientes que
se formam a partir de suas práticas e instrumentos (seus sistemas de
informação), bem como o entendimento de que tais ambientes são as plataformas
do conhecimento que se gera nestes espaços. Esta complexa equação, assim
entende-se, estreita os laços de dois objetos: informação e espaço de criação,
além de questionar a causalidade das possibilidades do espaço, da forma que se
dá para a informação e o poder de ação potencial emergente desta condição.
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