Descobrindo trajetórias: aspectos e idealizadores do 1º Congresso Nacional de Museus de 1956 em Ouro Preto

 

Discovering trajectories: aspects and creators of the 1st National Congress of Museums of 1956 in Ouro Preto

 

Descubriendo trayectorias: aspectos y creadores del I Congreso Nacional de Museos de 1956 en Ouro Preto

 

 

 

Nathalia Gianini Reys

Universidade de Brasília (UNB)

Brasil

 

Ana Abreu

Universidade de Brasília (UNB)

Brasil

 

 

 

Submetido em: 23/04/2021

Aceito em: 14/06/2021

Publicado em: 28/10/2021

 

Licença:

 

 

Autor para correspondência: Nathalia Gianini Reys

Email: nathaliamuseo@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1122-2798

 

 

Como citar este artigo:

 

REYS, Nathalia Gianini; ABREU, Ana. Descobrindo trajetórias: aspectos e idealizadores do 1º Congresso Nacional de Museus de 1956 em Ouro Preto. REBECIN, São Paulo, v. 8, edição especial, p. 01-11, 2021. DOI:  10.24208/rebecin.v8i.256

RESUMO

 

A presente pesquisa, apresenta por meio de análise de fontes documentais primárias e secundárias, o Primeiro Congresso Nacional de Museus realizado em Ouro Preto no ano de 1956. A partir da observação da dificuldade em encontrar bibliografia que tratasse o tema, verificou-se a necessidade de iniciar a busca em periódicos presentes na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Diante das fontes jornalísticas analisadas, identificou-se um núcleo de pessoas ativas nas decisões culturais dos anos 1950, mais especificamente que se envolviam com museus e que estas permaneceram quase as mesmas entre os anos 1930 e 1950. As agências que estiveram presentes no I Congresso, bem como seus agentes revelam trajetórias individuais e coletivas, em prol dos museus e seu desenvolvimento. Percebeu-se durante a realização da pesquisa que, os museus desempenharam um caráter internacional, pautado principalmente pelo intercâmbio de seus profissionais. Membros da Organização Nacional do ICOM juntamente com demais técnicos e profissionais que atuavam nos museus brasileiros e em agências do patrimônio se reuniram pela primeira vez em Ouro Preto, para a realização do evento em 1956, buscando a troca de conhecimentos, discutindo problemáticas e repensando soluções acerca da realidade dos museus brasileiros.

 

Palavras-Chave: Museologia. Primeiro Congresso Nacional de Museus. ICOM Brasil. Ciência da Informação. Museus.

 

ABSTRACT

 

The current research presents an analysis method of primary and secondary documental sources, the First Museum National Congress, which took place in Ouro Preto back in 1956. Realizing how hard it is to find bibliographies that covered the Congress, it was noted the need to start a research in journals at the Rio de Janeiro's National Library's Digital Newspaper Library. Throughout the journalistic source analyzed, it was found a group of people that were active on behalf of the cultural decisions in the 1950's. The agencies that showed up in the I Congress, as well as their agents, reveal individual and collective trajectories, in favor of the museums and their development. During the making of the essay, it was noted that those museums took an international feature, lined mainly by the exchange of its professionals. Members of the National Organization of ICOM, technicians and professionals who worked in the brazilian museums got together for the first time in Ouro Preto, for the realization of the event in 1956, seeking the exchange of knowledge, discussing problematics and rethinking solutions on behalf of the brazilian museum's reality.

 

Keywords: Museum Studies. First Museum National Congress. ICOM Brazil. Information Sciences. Museums.

 

RESUMEN

 

Esta investigación presenta, a través del análisis de fuentes documentales primarias y secundarias, el Primer Congreso Nacional de Museos celebrado en Ouro Preto en 1956. Tras constatar la dificultad de encontrar bibliografía sobre el tema, fue necesario iniciar la búsqueda en publicaciones periódicas de la Biblioteca Digital de la Biblioteca Nacional de Río de Janeiro. A la vista de las fuentes periodísticas analizadas, se identificó un núcleo de personas activas en las decisiones culturales de los años 50, más concretamente las relacionadas con los museos, y que se mantuvieron casi iguales entre los años 30 y los 50. Los organismos que estuvieron presentes en el I Congreso, así como sus agentes, revelan trayectorias individuales y colectivas, a favor de los museos y su desarrollo. Durante la investigación se observó que los museos tenían un carácter internacional, guiado principalmente por el intercambio de sus profesionales. Los miembros de la Organización Nacional del ICOM, junto con otros técnicos y profesionales que trabajaban en los museos brasileños y en las agencias de patrimonio, se reunieron por primera vez en Ouro Preto, para el evento de 1956, buscando intercambiar conocimientos, discutir problemas y repensar soluciones sobre la realidad de los museos brasileños.

Palabras clave: Museología. Primer Congreso Nacional de Museos. ICOM Brasil. La ciencia de la información. Museos.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Um campo estimulado por reflexões, pesquisas e novas práticas. Encontros que debatiam um tema central. Uma conferência nacional que mobilizou profissionais a produzirem dados, estudos e que provocou maior interação entre os técnicos.

Esses são os vestígios da década de 1950 no Brasil e a sucessão de abordagens envolvendo a esfera do campo museal. Uma década singular capaz de desenvolver encontros que discutiam o papel dos Museus. Entre eles, intitulado como o “I Congresso Nacional de Museus”, foco de nossas pesquisas.

O seminário discutiu temáticas diversas, a fim de criar um diagnóstico dos museus brasileiros, e assim, conhecer a realidade e buscar soluções para esse campo, que já existia há mais de 100 anos no Brasil.

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

 

O pressuposto do qual partimos para observar o 1º Congresso Nacional de Museus como uma estratégia de articulação e reconhecimento é que homens e mulheres no decurso de suas atividades cotidianas e profissionais constroem relações que podem tender tanto à conservação de certas estruturas quanto à mudança (BOURDIEU, 2007). Entendemos também que para compreendermos o papel institucional dos museus, precisamos observá-los na relação com outras instituições, com outras agências que tratavam dos museus e do patrimônio cultural (FARIA, 1995). Inicialmente, identificamos poucas pesquisas sobre os congressos nacionais de museus ocorridos no Brasil na segunda metade do século XX, inclusive o 1º Congresso. Lopes destaca a necessidade de nos debruçarmos sobre objetos de pesquisa que possam contribuir para o adensamento de uma história dos museus e da Museologia no Brasil (LOPES, 2020, p.10).

Dessa maneira, partindo dessa lacuna identificada na literatura acadêmica existente, recorremos aos periódicos para obter as informações de que não dispúnhamos. Neste sentido, nossa pesquisa teve caráter exploratório. Buscamos cruzar então as informações encontradas em alguns dos periódicos da época com a literatura acadêmica e com alguns poucos documentos textuais e fotográficos[1].

A escolha do objeto e da metodologia de pesquisa resultou, portanto, da dificuldade em encontrar informações referentes ao 1º Congresso Nacional de Museus, realizado em Ouro Preto. A partir dessa dificuldade, elaboramos nossas perguntas de pesquisa: por que ele quase não é mencionado em estudos do campo? O que levou a sua realização? Quais eram seus objetivos?

A análise documental se deu, então, com base nos periódicos Correio da Manhã (RJ) e Diário de Notícias (RJ), uma vez que eles exibiram maior número de matérias acerca do referido Congresso, possibilitado, assim, o cruzamento de informações e uma averiguação mais objetiva com relação ao conteúdo[2].

Para entender o que levou o Brasil a organizar seu Primeiro Congresso de Museus foi fundamental a compreensão do contexto dos anos 1950. Os jornais nos permitiram acompanhar, por meio de suas matérias e reportagens, as ações de nossos agentes no que se refere à organização, execução e avaliação do 1º Congresso Nacional de Museus[3].

O processo metodológico exigiu, primordialmente, a integração, cruzamento entre fontes e bibliografias, informações registradas nas seguintes fontes:

a)   Análise de fontes primárias e secundárias;

b)   Documentos resultantes de decisões elaboradas em encontros, em atas de reuniões e registros anuais, acessados por meio da base de dados do Museu Histórico Nacional;

c)    Bibliografia sobre História dos Museus, Museologia e Patrimônio;

d)   Leitura complementar e análise de biografias e relatos de agentes importantes para a realização do referido congresso.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

A cidade do Rio de Janeiro foi cenário de discussões culturais envolvendo museus ao longo da década de 1950. Considerando que a história da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Sphan (atualmente Iphan), de normativas de proteção do patrimônio cultural, bem como de agências do patrimônio estavam situadas na então capital do Brasil, essas se responsabilizaram pela organização do Congresso Nacional de Museus. Devido a essa constatação, optamos por desenvolver a análise documental por meio da investigação de jornais cariocas. Por meio da plataforma digital da Biblioteca Nacional (BN), organizamos um quadro com os principais periódicos do Rio de Janeiro. A busca pelo termo “Congresso Nacional de museus” na plataforma da Hemeroteca Digital da BN mapeou 115 menções referentes ao Primeiro Congresso.

O jornal Diário de Notícias de 19 de dezembro de 1954 destacava as primeiras providências para a organização do evento. Nessa reportagem há uma informação sobre um questionário que o Comitê Brasileiro do Icom havia encaminhado a 117 museus. Em 30 de outubro de 1955, o Suplemento Literário do Diário de Notícias, em sua página 5, noticia que coube à Comissão Organizadora a seleção dos membros da Comissão Executiva (composta por um presidente, um secretário tesoureiro) eleita dentre os membros ativos na sessão de abertura do Congresso e das Comissões Técnicas. Essas comissões foram nomeadas pela Comissão Organizadora e tinham como principal atribuição a avaliação dos trabalhos inscritos para a apresentação durante o Congresso. Havia também a Comissão de Publicação dos Anais do Congresso. Igualmente, coube à Comissão Organizadora propor os temas a serem debatidos durante o Congresso.

Em relação ao temário do Congresso, o Suplemento Literário do Diário de Notícias do dia 20 de novembro de 1955 traz reportagem assinada por Mário Barata que dá destaque aos 10 itens que compuseram os debates conforme discriminado a seguir: I. Caráter, âmbito e objetivos dos museus. II. Instituições brasileiras atuais. III. Legislação. IV. Sede e instalação. V. Acervo. VI. Estudos e pesquisas. VII. Divulgação. VIII. Pessoal. IX. Organização técnico-administrativa das instituições. X. Cooperação.

A vice-presidência do Comitê Brasileiro do Icom era ocupada por três diretores de museus: Heloisa Alberto Torres (Museu Nacional)[4], Gustavo Barroso (Museu Histórico Nacional) e Oswaldo Teixeira (Museu Nacional de Belas Artes). Para que o evento se realizasse foi constituída uma Comissão Organizadora formada por José Valadares (Museu da Bahia), Dante Laytano (Museu Júlio de Castilhos), José Maria de Albuquerque (Museu do Recife), Américo Jacobina Lacombe (Casa Rui Barbosa).

Em maio de 1956, o Diário de Notícias faz dois destaques: a iminência do prazo para a entrega dos trabalhos por parte dos inscritos e a substituição do Presidente do Comitê Brasileiro do Icom – Rodrigo Melo Franco de Andrade – afastado por motivos de saúde por Heloisa Alberto Torres, ex-diretora do Museu Nacional.

É destaque também no jornal Correio da Manhã de 20 de junho de 1956 o ordenamento de despesas aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) da verba de Cr$ 1.000.000,00 (hum milhão de cruzeiros) à Organização Nacional do Icom para as despesas com o 1º Congresso Nacional de Museus.

Percebemos também, a recorrente menção de agentes e agências do patrimônio. Este tópico, analisado à luz de leituras e de fontes jornalísticas, nos permite demonstrar que a consolidação do campo dos museus como área sistematizada, foi também consequência dessas relações.

Para desenvolver a relação entre as agências e os agentes do cenário cultural e intelectual, utilizamos os estudos de Adélia Miglievich-Ribeiro que, em Heloísa Alberto Torres e Marina de Vasconcellos: Pioneiras na formação das Ciências Sociais no Brasil (2015), se deteve na trajetória de duas intelectuais brasileiras, a partir dos círculos sociais que pertenceram. 

 Observamos como se deu a participação desses agentes em suas agências, o vínculo entre esses personagens em suas agências, sendo possível estabelecer uma rede de autoridades atuantes nas decisões e nas atividades culturais. Ao que chamamos de agências, se destacaram então, O Ministério da Educação (M.E.C), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura (Unesco), o Comitê internacional de Museus (ICOM) do Brasil, e algumas instituições museológicas, a saber, Museu Nacional, Museu Histórico Nacional e Museu Nacional de Belas Artes, cujas relações entre si, se deram por meio da circulação de seus agentes. Apresentados os museus e o Iphan, foi possível perceber que seus agentes estavam diretamente ligados, naquele contexto, à direção do Icom-Br, e não obstante, responsáveis pela organização do Primeiro Congresso de Museus. Entre eles, Rodrigo Melo Franco de Andrade diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), Heloísa Alberto Torres (Museu Nacional), Gustavo Barroso (Museu Histórico Nacional) Oswaldo Teixeira (Museu Nacional de Belas Artes) e as conservadoras Regina Real, Yolanda Portugal e Lygia Martins Costa, e Mario Barata (além de museólogo, era também jornalista do Diário de Notícias).


Quadro 1: levantamento quantitativo agências

Macintosh HD:Users:usuario:Desktop:Captura de Tela 2018-08-02 às 00.38.09.png

Fonte: autoria própria

 

 

 

Quadro 2: levantamento quantitativo agentes


Macintosh HD:Users:usuario:Desktop:Captura de Tela 2018-08-02 às 00.46.38.pngMacintosh HD:Users:usuario:Desktop:Captura de Tela 2018-08-02 às 00.45.32.png

Fonte: autoria própria

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Primeiro Congresso Nacional de Museus aconteceu entre os dias 23 e 27 de julho de 1956 na Escola de Minas e Metalúrgica, na cidade de Ouro Preto. Foi tido como um sucesso em sua organização e realização, sendo um dos mais importantes encontros do país. Participaram mais de 100 congressistas, e mais de 70 trabalhos foram apresentados.  Foi o primeiro congresso a discutir problemáticas dos museus das capitais, incluindo museus regionais. Igualmente, reuniu diversos profissionais que atuavam em museus, sendo esses profissionais de diferentes áreas, o que concorreu para a organização de outros Congressos, reforçando o campo de estudo da Museologia como uma área transdisciplinar. Momentos como esse, marcam a trajetória da Museologia como campo científico e demonstra a quão grande e não explorada é sua história.

 

REFERÊNCIAS

 

BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.

FARIA, L. C. Nacionalismo e nacionalismos: dualidade e polimorfia. In: CHUVA, M. (org.).  A invenção do patrimônio. Brasília, DF: MinC/Iphan, 1995.

INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS. Museus em Números. Brasília, v. 1, 2011.

LOPES, M. M. Sobre Fragmentos do Conhecimento Museológico no Nordeste brasileiro: uma entre muitas outras possíveis introduções. In: BRITTO, C. C.; CUNHA, M. N. B.; CERÁVOLO, S. M.  Estilhaços da Memória: o Nordeste e a reescrita das práticas museais no Brasil. Goiânia: Editora Espaço Acadêmico; Salvador: UFBA, 2020. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/39425. Acesso em: 22 fev. 2021.

MIGLIEVICH-RIBEIRO, A. Heloísa Alberto Torres e Marina de Vasconcellos: pioneiras na formação das ciências sociais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EDUFRJ, 2015.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Destacamos aqui a documentação existente no Núcleo de Memória da Muselogia (NumMus) da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) coordenado pelo Prof. Dr. Ivan Coelho de Sá.

[2] O Diário de Notícias apresentou 48 notícias, seguido do Jornal do Brasil. Contudo, devido a direitos autorais, não foi possível realizar as análises por meio deste periódico.

[3]Com o fim da II Guerra Mundial, os museus retomaram sua força. Nesse contexto, foram criadas medidas que pudessem intervir no cenário pós-guerra, com o objetivo de desenvolver novas iniciativas acerca da paz, da educação, da ciência e da cultura, prosseguindo como mediadores do diálogo mundial.  A Criação da Unesco e, posteriormente, do Comitê Internacional de Museus (ICOM) impulsionou fortemente a realização do congresso.

[4] Por ocasião do 1º Congresso Nacional de Museus, Heloísa Alberto Torres havia deixado a direção do Museu Nacional. O período de direção de Heloísa Alberto Torres compreendeu os anos de 1938 a 1955.