Diálogos com a arte contemporânea: a exposição sob o viés museológico

 

Dialogues with contemporary art: the exhibition from a museological perspective

 

Diálogos con el arte contemporáneo: la exposición desde una perspectiva museológica

 

Aline Vargas de Vargas

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Brasil

 

Vanessa Barrozo Teixeira Aquino

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Brasil

 

 

 

Submetido em: 21/04/2021

Aceito em: 14/06/2021

Publicado em: 28/10/2021

 

Licença:

 

 

Autor para correspondência: Aline Vargas de Vargas

Email: aline2vargas@hotmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8890-5036

 

 

Como citar este artigo:

 

VARGAS, Aline Vargas de Vargas; AQUINO, Vanessa Barrozo Teixeira. Diálogos com a arte contemporânea: a exposição sob o viés museológico. REBECIN, São Paulo, v. 8, edição especial, p. 1-12, 2021. DOI: 10.24208/rebecin.v8i.248

RESUMO

 

Partindo da análise da exposição “Àspera Melodia: Carlos Asp, 70 anos”, o presente artigo propôs apresentar e discutir os resultados obtidos mediante pesquisa de recepção realizada junto ao público externo da exposição. A investigação privilegiou uma análise voltada aspectos expográficos da mostra, norteada por referencial teórico especializado, considerando questões referentes à autonomia, fruição e recepção dos públicos, bem como seu nível de formação e frequência. Diante desta circunstância, objetivou-se refletir, questionar e rever formas possíveis de potencializar o diálogo da arte contemporânea com diferentes indivíduos, de forma que o museu cumpra de maneira efetiva seu papel social diante da multiplicidade de públicos. Os dados apontaram que os elementos secundários de informação possuem potencial de auxiliar na recepção da mensagem proposta, emergindo como relevantes meios pelos quais os visitantes não especializados se aproximam da proposta expositiva. À vista disso, os participantes alegaram que textos introdutórios e legendas, assim como a presença de conteúdos complementares, como informações sobre o artista e contexto de sua produção, auxiliam a experiência e diálogo com o tema. Notou-se que conforme se amplia a frequência em instituições artísticas e culturais, a proximidade com os códigos e significados da arte torna-se proporcional. Por fim, foi possível verificar que para o público tido como especialista e para aquele considerado leigo, as lacunas comunicacionais podem desfavorecer a compreensão diante da exposição

 

Palavras-Chave: Curadoria. Comunicação museológica. Expografia. Arte contemporânea.

 

ABSTRACT

 

Based on the analysis of the exhibitionAspera Melodia: Carlos Asp, 70 years old”, this article intend to present and discuss the results obtained through a reception survey carried out with the external audience of the exhibition. The investigation privileged an analysis focused on the exhibition's expographic aspects, guided by a specialized theoretical framework, considering issues related to the autonomy, enjoyment and reception of audiences, as well as their level of education and frequency. In this context, the objective was to reflect, question and review possible ways to enhance the dialogue between contemporary art and different individuals, so that the museum effectively fulfills its social role in the face of the multiplicity of audiences. The data showed that the secondary elements of information have the potential to assist in receiving the proposed message, emerging as relevant means by which non-specialized visitors approach the exhibition proposal. Thus, the participants pointed out that introductory texts and subtitles, as well as the presence of complementary content, such as information about the artist and the context of his production, help the experience and dialogue with the theme. It was noted that as the frequency in artistic and cultural institutions increases, the proximity to the codes and meanings of art becomes proportional. It was also possible to verify that for the public considered as a specialist and for those considered non-specialist, the communication gaps can disadvantage the understanding of the exhibition.

 

Keywords: Curatorship. Museological comunication. Expography. Contemporary art.

 

RESUMEN

 

A partir del análisis de la exposiciónÀspera Melodia: Carlos Asp, 70 años”, este artículo propone presentar y discutir los resultados obtenidos a través de una encuesta de recepción realizada con el público externo de la exposición. La investigación favoreció un análisis centrado en los aspectos expográficos de la exposición, guiados por un marco teórico especializado, considerando temas relacionados con la autonomía, disfrute y recepción de las audiencias, así como su nivel de formación y asistencia. Ante esta circunstancia, el objetivo fue reflexionar, cuestionar y revisar posibles vías para potenciar el diálogo del arte contemporáneo con diferentes individuos, para que el museo cumpla eficazmente su rol social frente a la multiplicidad de públicos. Los datos señalaron que los elementos de información secundaria tienen el potencial de ayudar en la recepción del mensaje propuesto, emergiendo como medios relevantes por los cuales los visitantes no especializados se acercan a la propuesta expositiva. Ante esto, los participantes afirmaron que los textos introductorios y los subtítulos, así como la presencia de contenidos complementarios, como información sobre el artista y el contexto de su producción, ayudan a la experiencia y diálogo con el tema. Se observó que a medida que aumenta la frecuencia en las instituciones artísticas y culturales, la proximidad a los códigos y significados del arte se vuelve proporcional. Finalmente, se pudo constatar que para el público considerado experto y para los considerados laicos, las brechas de comunicación pueden dificultar la comprensión de la exposición.

 

Palabras clave: Curaduría. Comunicación del museo. Exposición. Arte Contemporaneo.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Possuindo como diretriz problematizar a comunicação museológica em exposições de arte contemporânea frente ao público não especializado, o presente artigo[1] propõe dialogar com o conceito de curadoria no campo da Museologia e no campo das Artes, tendo como objeto de estudo a exposição “Áspera Melodia: Carlos Asp, 70 anos”[2]. Além da análise expográfica, questionários[3] foram aplicados, considerando nível de escolarização, frequência em exposições de arte, assim como, aspectos relativos à fruição, autonomia e recepção da mensagem por parte dos visitantes.

Devido ao papel central e dinâmico das exposições museológicas como espaço privilegiado para a publicização da arte, compreendeu-se a necessidade de traçar um panorama acerca de seus processos no que tange a curadoria de arte, refletindo sobre a forma como histórica e atualmente estas são elaboradas, analisando quais são seus cânones e como se efetua sua relação com os diferentes públicos. Frente a isso, a partir da problematização e tensionamento sobre os moldes em que são elaboradas, procurou-se entender os sistemas e os agentes que estão envolvidos na sua concepção, refletindo sobre como os estudos em Museologia podem colaborar para o aprimoramento da comunicação com diferentes públicos, de maneira que se favoreça a fruição tanto do público especializado quanto do público leigo, abrangendo-os em sua diversidade.

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

 

Recorreu-se a autores basilares das duas áreas, a fim de compreender suas peculiaridades e afinidades, onde conceitos-chave como o de curadoria, comunicação museológica, expografia e arte contemporânea nortearam a discussão. Para entender como a curadoria se apresenta atualmente, julgou-se necessário traçar um panorama sobre a história dos museus e para tal, contribuições de autores como Lisbeth Rebollo Gonçalves (2004), Letícia Julião (2006), Maria Cristina Bruno (2008), Rejane Cintrão (2010), André Desvallées e François Mairesse (2013) foram abarcados.

No decorrer do século XIX, com o boom de instituições museológicas ao redor do mundo, o trabalho curatorial passou a ser percebido como central ao funcionamento dos museus, porém, foi no século XX que a curadoria passou a ser entendida como prática direcionada a comunicação e divulgação da cultura material (CINTRÃO, 2010). Uma dessas proposições, compreende a curadoria como o estudo sobre um acervo, onde o curador é aquele agente que estuda e se especializa em determinada coleção. Uma outra perspectiva entende que a curadoria é um processo em torno do objeto ou coleção, que envolve as atividades do museu de maneira ampla, abarcando a aquisição, pesquisa, conservação, documentação e comunicação (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013).

Para compreender a questão da curadoria no terreno da comunicação museológica, autores como Marília Xavier Cury (2005), Isabel Fernández e Luis Fernández (2007), Sônia Salcedo del Castillo (2008), Ángela Blanco (2009), Bruce Altshuller (2010), Jean Davallon (2010), Marcelo Cunha (2010), Alejandra Panozzo Zenere (2018) foram referência para o estudo. Segundo eles, a curadoria, que em um primeiro momento ligava-se fundamentalmente às questões vinculadas à pesquisa e preservação de coleções, passou a se direcionar para a socialização do conhecimento produzido pelos museus, relacionando-se atualmente à comunicação museológica, seja pelas ações educativo-culturais ou pelas exposições. Estas últimas, compreendidas como fenômenos socioculturais singulares do exercício museológico, meio pelo qual a comunicação com o público acontece de forma mais visível (CURY, 2005; FERNÁNDEZ; FERNÁNDEZ, 2007).

Para alguns curadores, tem-se no cubo branco (O’DOHERTY, 2002)[4] o ambiente ideal para dialogar a arte, compreendendo que influências extrínsecas deturpam sua recepção por parte do público. Em contrapartida, há aqueles profissionais que entendem que recursos comunicacionais contribuem para a experiencia artística, sobretudo quando os indivíduos não possuem familiaridade com o campo (GONÇALVES, 2004). À vista disso, Meneses (1994, p. 10), percebe as discussões sobre expografia como questão indispensável ao museu, pois “a partir da seleção mental, ordenamento, registro, interpretação e síntese cognitiva na apresentação visual, ganha-se notável impacto pedagógico”.

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

A exposição “Àspera Melodia: Carlos Asp, 70 anos”, seguiu os preceitos do paradigma modernista das exposições de arte, o cubo branco, comum às exposições sediadas na Pinacoteca. Vale ressaltar que o prédio da instituição é adaptado para ser um museu e possui portas, janelas e iluminação natural. Partindo para a análise expográfica, ao adentrar a exposição o público se deparava com um texto de abertura que apresentava o artista e seu processo de criação. No que se refere às legendas, notou-se que nem todos os trabalhos ou agrupamentos acompanhavam etiquetas, sendo que estas seguiam um modelo técnico, com nome do artista, título do trabalho, material, ano de criação e procedência, informando, desta forma, questões intrínsecas à obra.

 Assim, referente a elementos de apoio, mediante análise dos questionários aplicados, notou-se que do total de respondentes (102 indivíduos – 100%), cinquenta e nove (57%) definiram os textos introdutórios como fonte “muito importante” de apoio à sua experiência, seguidos de quarenta e três (42,2%) respondentes que sobre tal questão assinalaram a opção “importante”. Quanto à precisão das informações que compunham os textos, cinquenta e sete pessoas (55,9%) identificaram como “muito importante” a qualidade das informações oferecidas. Quarenta e uma pessoas (40,2%) apontaram que os textos são “importantes” para que possíveis leituras sejam feitas por eles e, quatro pessoas (3,9%), assinalaram que as informações trazidas são de pouca importância para sua fruição.

Expograficamente, foi observado que as legendas possuíam tamanho reduzido, fator que unido a sua localização (no chão, por exemplo) poderia causar dificuldade ou mesmo impossibilidade de leitura. Segundo embasamento teórico, estas devem se encontrar próximas aos trabalhos as quais se referenciam e seu posicionamento deve favorecer a leitura, de forma a não haver obstáculos entre ela e o visitante. Logo, para que cumpram seu papel instrutivo de maneira efetiva, as legendas devem considerar potenciais limites físicos e sensoriais dos indivíduos, onde letras miúdas e de tipografias rebuscadas podem dificultar o acesso de pessoas com baixa visão, da mesma maneira que ao serem posicionadas em distâncias maiores, impedindo que haja aproximação, podem se apresentar como entrave para pessoas em cadeira de rodas, pessoas com pouca ou nenhuma mobilidade, impossibilitando o acesso à informação.

Acerca da presença de legendas, cinquenta e nova pessoas (57,8%) pontuaram que sua presença é de grande importância, trinta e cinco (34,3%) compreenderam-nas como importante e oito pessoas (7,8%) assinalaram a opção pouco importante. Ao unir tais resultados com o fato de que para sessenta e quatro pessoas (62,7%) não seria possível compreender a proposta da exposição sem o auxílio do mediador, pode-se tecer reflexões sobre a autonomia do visitante em exposições de arte contemporânea.

Ao contrário de uma galeria de arte, os museus possuem responsabilidade inerente de exercer sua função social, desta forma, a presença de elementos de apoio que fomentem e viabilizem a experiência, contrariamente do que possa parecer, não propõe oferecer um cenário limitado, que “explique a obra”. Se bem estruturados, estes potencializam a imersão, suscitando pensamentos reflexivos e múltiplas concepções sobre determinado trabalho. A visão do artista deve respeitada, da mesma forma que a presença do público naquele ambiente cultural. Sob este aspecto, ao restringir a autonomia do público, obrigando-o a solicitar mediação, compromete-se seu aspecto social, uma vez que os mantêm dependentes da intervenção de outros agentes.

Acerca da relevância de informações sobre o artista, quarenta e nove pessoas (48%), alegaram ser um dado importante a ter acesso, já cinquenta delas (49%), consideraram muito importante, sendo que três respondentes (2,9%) assinalaram como fator pouco importante. Referente a contextualização da obra, quarenta e duas pessoas (41,2%) consideraram a clara contextualização importante, cinquenta e sete (55,9%) delas pontuaram tal variável como importante e três (2,9%), associaram pouca importância.

Entendendo que a proximidade com o ambiente museológico e artístico são significantes para a familiarização com a arte contemporânea, a pesquisa propôs mapear o nível de formação do público da exposição analisada. A amostragem apontou que dos cento e dois (102) visitantes entrevistados, cinquenta e dois (52) deles possuiam graduação em andamento ou finalizada; trinta e dois (32) pertenciam ao grupo com pós-graduação em andamento ou finalizada, e dezoito (18) pessoas possuiam o ensino fundamental ou médio em andamento ou finalizado. Com isso, cabe problematizar a presença de indivíduos que possuem  nível fundamental e médio de educação sob dois aspectos: a parca presença desse grupo de pessoas, ao mesmo tempo que aponta para uma necessidade de inclusão maior desse público não especializado e que deve considerar os museus como um espaço cultural que lhe pertence.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

        

Da função estritamente ligada à guarda de informações e acervos apresentados e pesquisados por grupos seletos, pertencentes à nobreza e intelectuais, atualmente os museus se apresentam como espaços democratizantes da cultura, onde seu papel social é cada vez mais demandado pela sociedade. Embora visíveis esforços teóricos e práticos sejam notados, percebe-se que, na memória coletiva, tais instituições ainda são associadas a um determinado grupo social, vistas como espaço de exclusão e demonstração do poder de parcelas hegemônicas da sociedade.

         Frente a isso e diante da urgência em se reinventar e firmar laços com distintos públicos, a exposição museológica surge como ambiente propício para que tal diálogo seja fomentado, onde, a partir de múltiplas estratégias, o público crie conexões e sentidos com os bem musealizados. Para além de exibir objetos artísticos e culturais, os museus devem comunicar e explorar os múltiplos significados que estes carregam.

         Muito mais que meramente se autodenominar abertas e acessíveis ao público, é necessário que as instituições museológicas, por meio de seus profissionais, assumam a responsabilidade de expandir o acesso ao público em todos os níveis: físico, cognitivo e intelectual. As exposições quando elaboradas vislumbrando a multiplicidade de realidades existentes no país, pode contribuir de forma efetiva para que os indivíduos que, historicamente, foram mantidos à margem do ambiente artístico e cultural, tenham acesso a eles, sintam-se pertencentes e valorados.

 

REFERÊNCIAS

 

BRUNO, M. C. O. Definição de curadoria - os caminhos do enquadramento e extroversão da herança patrimonial. InCaderno de Diretrizes Museológicas 2. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, Superintendência de Museus, p.15-23, 2008. Disponível em: http://www.cultura.mg.gov.br/files/museus/1caderno_diretrizes_museologicas_2.pdf. Acesso em: 07. fev. 2019.

 

CINTRÃO, R. As montagens de exposições de arte: dos salões de Paris ao MoMA. In: Sobre o ofício do curador. São Paulo: editora Zouk, 2010.

 

CURY, M. X. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo: Annablume, 2005.

 

DESVALLÉES, A.; MAIRESSE, F. Conceitos-chave de museologia. Tradução de Bruno Brulon Soares e Marilia Xavier Cury. ICOM. São Paulo: Armand Colin, 2013.

 

FERNÁNDEZ, L. A.; FERNÁNDEZ, I. GDiseño de exposiciones: concepto, instalación y montaje. Madrid: Alianza Editorial, 2007.

 

GONÇALVES, L. R. Entre cenografias: o museu e a exposição de arte no século XX. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 2004.

 

MENESES, U. T. B. Do teatro da memória ao laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais do Museu Paulista, Nova Série, v. 2, p. 9-42, 1994. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v2n1/a02v2n1.pdf. Acesso em 02. ago. 2019.

 

O’DOHERTY, B. No interior do Cubo Branco: A ideologia do espaço da arte. São Paulo: Martins, 2002.

 

 

 



[1] Apresenta um recorte da pesquisa resultado do Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Museologia, elaborado e defendido em 2019 no Curso de Museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para saber mais, acesse: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/212629#

[2] Em cartaz entre 19 de março e 17 de junho de 2019 na Pinacoteca Ruben Berta em Porto Alegre/RS, apresentou trabalhos do artista Carlos Asp desde a década de 1970 até 2019.

[3] Elaborado de forma quanti-qualitativa, oito das nove questões eram de caráter fechado, sendo uma questão aberta. Foram respondidos cento e dois (102) questionários avaliados quantitativamente pelo software de análise de estatística IBM SPSS, disponibilizado pela UFRGS.

[4] Conceito cunhado por Brian O’Doherty em 2002 para definir a expografia moderna.