Tempo e documento: uma breve reflexão histórica da preservação documental

 

Time and document: a brief historical reflection of document preservation

 

Tiempo y documento: una breve reflexión histórica sobre la conservación de documentos

 

 

Bárbara de Széchy Cardoso Vieira

Éducation Nationale Française

França

 

 Andre Vieira de Freitas Araujo

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Brasil

 

 

Submetido em: 21/04/2021

Aceito em: 14/06/2021

Publicado em: 28/10/2021

 

Licença:

 

 

Autor para correspondência: Bárbara de Széchy Cardoso Vieira

Email: bszechycv@gmail.com

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5460-3358

 

Como citar este artigo:

 

VIEIRA, Bárbara de Szechy Cardoso; ARAUJO, Andre Vieira de Freitas. Tempo e documento: uma breve reflexão histórica da preservação documental. REBECIN, São Paulo, v. 8, edição especial, p. 1-15, 2021. DOI: 10.24208/rebecin.v8i.247

 

RESUMO

 

Pensar historicamente acerca da Preservação Documental - a fim de que ela opere conceitualmente e tecnicamente os fenômenos que contornam as relações entre os bens culturais e o tempo - é uma perspectiva que deve constituir a atuação do bibliotecário que se dedica à preservação.  A partir da abordagem eminentemente teórica, este artigo tem como objetivo refletir historicamente sobre a Preservação Documental.  Como resultados, constatou-se que cada período da História preservou documentos de acordo com princípios e valores contemporâneos, que por sua vez refletem uma mentalidade coletiva, uma cultura. É possível também observar o desenvolvimento de práticas de cunho preservacionista que, com o tempo, culminaram na formação da disciplina científica da Preservação Documental. O bibliotecário que se dedica à preservação hoje faz parte desta trajetória, enfrentando novos desafios, principalmente referentes à preservação digital. Com efeito, a reflexão histórica sobre a Preservação Documental pode sustentar ações preservacionistas mais qualificadas, tanto do ponto de vista conceitual quanto técnico, além de posicionar o documento em seu quadro temporal, material, simbólico e cultural.

 

Palavras-Chave: Preservação - Aspectos Históricos; Preservação Documental.

 

ABSTRACT

 

To think historically about Document Preservation, so that it can operate conceptually and technically the phenomena surrounding the relations between cultural objects and time, is a perspective that must be a part of the professional life of librarians that dedicate themselves to preservation. From a theoretical analysis, the goal of this article is to reflect historically about the domain of Document Preservation. As a result of this research, it can be attested that each historical period has preserved documents according to a set of principles and contemporary values that, in its turn reflect a collective mentality, a culture. It is also possible to observe the development of practices of a preservative nature that, with time, result in the formation of Document Preservation as a scientific discipline. The librarian that dedicates himself or herself to preservation today is a part of this journey, facing new challenges, especially when it comes to digital preservation. Undoubtedly, the historical reflection about Document Preservation can sustain more qualified preservationist actions, in the conceptual or technical field, as well as positioning the document in its timely, material, symbolic and cultural context.

 

Keywords: PreservationHistorical Aspects; Document Preservation.

 

 

RESUMEN

 

Pensar históricamente en la Conservación de Documentos - para que opere conceptual y técnicamente los fenómenos que eluden la relación entre bienes culturales y tiempo - es una perspectiva que debe constituir el rol del bibliotecario que se dedica a la preservación. Desde un enfoque eminentemente teórico, este artículo pretende reflexionar históricamente sobre la Conservación de Documentos. Como resultado, se encontró que cada período de la historia conservó documentos según principios y valores contemporáneos, que a su vez reflejan una mentalidad colectiva, una cultura. También es posible observar el desarrollo de prácticas preservacionistas que, con el tiempo, culminaron en la formación de la disciplina científica de Conservación Documental. El bibliotecario que hoy se dedica a la preservación forma parte de esta trayectoria, enfrentando nuevos retos, principalmente relacionados con la preservación digital. En efecto, la reflexión histórica sobre la Preservación Documental puede apoyar acciones de preservación más calificadas, tanto conceptual como técnicamente, además de posicionar el documento en su marco temporal, material, simbólico y cultural.

 

Palavras-clave: Preservación - Aspectos históricos; Conservación de documentos.

 

“...me assalta a angústia daquele passado futuro que se consome ao nosso redor”

Umberto Eco

 

1 INTRODUÇÃO

 

Pensar historicamente acerca da Preservação Documental - a fim de que ela opere conceitualmente e tecnicamente os fenômenos que contornam as relações entre os bens culturais e o tempo - é uma perspectiva que deve constituir a atuação do bibliotecário que se dedica à preservação.

Segundo Le Goff (2013), a mentalidade histórica incita os homens a construir e reconstruir o passado. Nossa noção de identidade individual e social é formada a partir deste exercício de reflexão, que por sua vez é condicionado pela preservação daquilo que fomos e somos. Esse diálogo entre memórias não acontece de forma unilateral ou neutra, mas se caracteriza por um complexo processo de apropriação, ressignificação e reinterpretação dos documentos preservados ao longo do tempo. Tais documentos são testemunhos, vozes do passado que podem ser acessadas, enaltecidas, ou, por vezes, silenciadas. A história da Preservação Documental nos proporciona uma oportunidade de participação mais ativa neste diálogo.  

O presente trabalho é uma reflexão histórica sobre a Preservação Documental. Procura-se explorar o tema a partir da noção de que a Preservação exerce significantes influências na sociedade e reflete, ao longo da História, as diferentes tentativas de indivíduos, grupos sociais e instituições de projetarem ao futuro um objeto de memória. Para tanto, realizou-se uma pesquisa de cunho teórico. O campo adotado para a pesquisa foi o bibliográfico e documental, e como estratégia de análise dos dados coletados, foi utilizada metodologia qualitativa.

A importância dessa abordagem histórica na constituição do campo da Preservação Documental é a de possibilitar uma discussão reflexiva voltada aos valores e princípios que regem a prática e o estudo da preservação. O viés técnico e o viés social e histórico devem se complementar e dialogar sempre, pois ainda que a técnica seja de extrema importância, ela deve vir respaldada por um claro entendimento dos motivos por trás do ato de se preservar, dos porquês de suas escolhas, dos caminhos de seu pensamento. Esse entendimento provém do estudo aprofundado dos aspectos históricos que envolvem a preservação e o documento.

Nesta pesquisa, adota-se o conceito de Preservação Documental como sendo “[...] a soma das medidas necessárias para garantir a acessibilidade permanente - para sempre - do patrimônio documental” (UNESCO, 2002, p. 10). Esta definição ressalta a relação do documento a ser preservado com o tempo, indicando a responsabilidade com o passado e a preocupação com o futuro. A importância da acessibilidade do documento em questão também está presente, uma vez que ao preservar as informações contidas em um documento, estamos possibilitando a potencialidade de interpretações destas informações.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

A preservação pode ser vista como a extensão natural do ato de registrar, com a finalidade de proteção contra o efêmero e provisório e da perpetuação da memória, de uma identidade individual e coletiva. A história do registro da informação, da escrita e dos livros é uma evidência da tentativa do homem de “[...] tornar visíveis o pensamento e o sentimento de uma forma duradoura” (MCMURTRIE, 1997, p. 17). A vontade, a intenção e o decorrente ato de preservar fazem parte da natureza humana, existindo quase enquanto instinto, uma necessidade que nasce a partir da consciência do ser, do pensamento. O “espírito” da preservação se origina no reconhecimento da “[...] nossa condição de mortais, condição tão incontornável como a exigência que ela implica: cuidar da memória dos mortos para os vivos de hoje” (GAGNEBIN, 2009, p. 27). Se hoje é possível ser, é em razão da preservação daquilo que foi.

É possível observar, conforme Castro (2012), que o intuito de conservar e restaurar remete à Antiguidade, tanto nas sociedades orientais como ocidentais. Um exemplo dado pelo autor é o uso de óleo de cedro em papiros no Egito Antigo, a fim de afastar insetos. Percebe-se que na Antiguidade, a preservação acontecia como uma resposta imediata às ameaças imediatas ao documento, e não como uma prática de caráter preventivo. Segundo Greenblatt (2012), Aristóteles teria percebido a presença de “minúsculos animais” em livros, semelhantes ao que ele observava em tecidos, e Ovídio relacionou a “dor que rói constantemente” seu coração com o “livro que é comido pelos dentes do verme” (GREENBLATT, 2012, p. 75). Vemos ainda que o político romano Plínio já pregava, na Antiguidade, que, ao misturar absinto com a tinta usada para escrita, seria possível proteger os livros dos ratos (ODDOS, 1995). 

Ressalta-se que, na Antiguidade, os registros documentais existiam, sobretudo, em forma de rolo, o que por sua vez condicionava a maneira de ler, escrever e organizar o conhecimento (LE GOFF, 2014). O rolo marcou a Antiguidade da mesma forma que o códex marcou a Idade Média. “[...] O livro-códex seria um ótimo modo de situar o nascimento da Idade Média” (LE GOFF, 2014, p. 35). O material utilizado também mudou, passando do papiro para o pergaminho, que por sua vez é mais resistente e necessita menos cuidados preservacionistas que o papiro.

         Na Idade Média, a preservação estava ligada mais fortemente ao sentido de Cristandade. Neste período, monges e religiosos pensavam que era seu dever honrar a Deus através do saber e da beleza (LE GOFF, 2007). Assim, o desejo de preservação de documentos se justificava pela sacralidade atribuída ao livro manuscrito e ao seu conteúdo. No livro estava contido o sagrado evangelho, a representação da palavra de Deus via materialidade textual e imagética. Percebe-se a imensa responsabilidade dos bibliotecários e daqueles que salvaguardam documentos à época. Negligenciar a salvaguarda de um livro não era apenas perder um investimento financeiro substancial, mas condenar ao esquecimento os ensinamentos de Deus e comprometer, assim, sua fé e status social.

 

No século XV, outra inovação vem mudar para sempre o rumo das bibliotecas e dos livros. Um metalurgista experiente chamado Johannes Gensfleisch zur Laden, mais conhecido como Johannes Gutenberg, desenvolveu um novo método de impressão com tipos móveis, permitindo que livros fossem impressos com mais rapidez e precisão. Isto possibilitou a expansão da informação impressa, e por consequência, do conhecimento e de uma nova maneira de obter instrução através dos livros (CORADI; EGGERT-STEINDEL, 2008, p. 349).

A prensa em si não foi inventada por Gutenberg – os caracteres móveis já existiam desde o século XI, na China (JEAN, 2008). A inovação promovida por Gutenberg foi a mecanização dessa impressão que alterou o monopólio da Igreja sobre a produção do conhecimento científico e filosófico, aumentando sua disseminação. O aumento de produção de documentos foi exponencial, e representou, consequentemente, um volume ainda maior de obras à serem preservadas. Nunca se havia produzido tantos livros e tanto conhecimento. “Em dez anos, foram impressos em Roma cerca de cento e sessenta mil volumes – livros para todos, ricos e pobres. Até então, o texto escrito havia sido um privilégio para poucos” (FRUGONI, 2007, p. 62). Com essa nova riqueza de livros disponíveis, cresce também a complexidade envolvida na sua preservação, uma vez que se torna cada vez mais difícil a preservação localizada e pontual.

No âmbito da preservação, esse desenvolvimento librario gerou a preocupação de “[...] preservar e conservar o acervo bibliográfico para gerações futuras [...]” (CORADI; EGGERT-STEINDEL, 2008, p. 349). Percebe-se, assim, uma mudança significativa na motivação da preservação: enquanto na Idade Média esta se fazia a partir do valor de sacralidade dos documentos, após a revolução da prensa, nota-se uma preocupação com as gerações futuras devido ao alargamento considerável do público da cultura escrita. Com um volume exponencial de obras produzidas, nasce a consciência da impossibilidade de preservar um todo e, logicamente, faz-se imperativo escolher. Umberto Eco traçou com precisão a raiz desta nova problemática quando atesta que “[...] não há silêncio maior do que o ruído absoluto, e a abundância de informação pode gerar a ignorância absoluta” (ECO, 2010, p. 14). No contexto deste novo paradigma, a Preservação Documental assume a responsabilidade crítica de garantir que as vozes do passado constituam um coro harmonioso, e não uma cacofonia desorganizada.

No estudo de Castro (2012), identifica-se que, enquanto ciência, a Preservação é uma área do conhecimento relativamente recente, tendo sua consagração como prática científica nas ideias iluministas da Revolução Francesa, em 1789 (VOVELLE, 2007). Ela foi um primeiro passo no sentido de se ver a informação documental como um direito civil, criando-se a premissa de publicidade da informação e noção de patrimônio. “As atividades de restauração intensificaram-se na Europa após o período da Revolução Francesa, das Guerras Napoleônicas e demais conflitos relacionados à construção do Estado Moderno [...]” (FRONER; ROSADO, 2008, p. 6). Neste período, a preservação de documentos passa a ser também uma preocupação do Estado, devido à compreensão do documento enquanto patrimônio público.

O século XVIII foi assim formado por uma sociedade em mudanças, onde “[...] é o bem público que tem seu papel e as coleções são constituídas, enriquecidas e geradas com o objetivo de estar à disposição da comunidade” (BARBIER, 2008, p. 273). Ocorria também “[...] o predomínio da Razão, a gênese das ideias liberais e a difusão do paradigma cartesiano (e newtoniano) como método científico que rompe com a tradição de interpretar o mundo através do religioso e do místico” (SILVA, 2006, p. 89), favorecendo o crescimento da Química como uma ciência. A Preservação Documental e a Química passaram a estar intimamente conectadas até os dias de hoje. Químicos franceses célebres, como Louis Pasteur e Jean Chaptal, desenvolveram estudos acerca da constituição material dos objetos. Originaram-se, dessa forma, os primeiros tratamentos químicos voltados para o restauro. Muitas descobertas importantes foram feitas nesta época, como as propriedades clareadoras do cloro, em 1774 (CASTRO, 2012).

Avançando para o século XIX, percebe-se o crescimento da produção de trabalhos científicos voltados à investigação das origens dos problemas pontuais enfrentados por preservadores, indicando um interesse mais direcionado pela área. O paradigma emergente da ciência pós-moderna tem como características principais a interdisciplinaridade e a subjetividade, o método de pesquisa qualitativo e as relações com as ciências sociais aplicadas (SILVA; FREIRE, 2013). As bibliotecas, enquanto instituições, moldavam-se de acordo com a ideologia da época, buscando centralizar cada vez mais o conhecimento, perseguindo o ideal de uma coleção “completa”. Essa ideia de “completude” de uma coleção induz à valorização ainda maior de práticas preservacionistas, pois seria incoerente investir recursos em prol da expansão de uma coleção, se simultaneamente volumes mais antigos da mesma estão sendo danificados ou perdidos. Nesta perspectiva de coleção compreensiva, preservar o “velho” possui uma importância equivalente à de adquirir o “novo”.

No século XIX, a Preservação não era, ainda, uma ciência, mas um conjunto de práticas e saberes, baseados em experimentação e conhecimentos empíricos, muito associados às escolas artísticas, reafirmando seu foco no caráter estético do objeto (PINHEIRO; GRANATO, 2012). Mais tarde, a Preservação ganharia o interesse sólido e de certa forma urgente dos estudiosos preservacionistas, com a chegada da “era do mau papel” (CASTRO, 2012). O mau papel em questão era o papel madeira que, segundo Castro (2012), começou a ser laborado em larga escala em 1850 e mudou radicalmente o cenário de produção. A conservação era vista não apenas como uma opção, mas como uma prática impreterível aos cuidados do papel-madeira.

O moderno restauro tem seu início no crescente número de congressos, conferências e encontros de caráter científico na área da Preservação e Restauração, o que em si já configura um quadro diferente do que havia sendo feito até então. Com a chegada do século XX, mais avanços foram feitos, concretizando aos poucos a base da Preservação – Restauração e Conservação - como ciência. Castro (1012) chama de Período Pré-Científico da disciplina da Preservação, o período da Antiguidade até o século XIX, que foi estudado até então neste artigo. Seria, assim, no século XX que a preservação se tornaria de fato uma ciência, ao fundamentar sua epistemologia (PINHEIRO; GRANATO, 2012).

As duas Guerras Mundiais, que marcaram o início do novo século, atribuíram uma austeridade ainda maior às medidas de manutenção da herança cultural. A preservação não poderia mais acontecer como atividade voltada a um objeto precioso, mas a grupos vastos de documentos e bens culturais, abrindo espaço para o desenvolvimento de métodos de preservação em massa, assim como investimentos em tecnologias que atendessem a essa necessidade (CASTRO, 2012). Um dos acontecimentos mais notórios e assombrosos voltados à destruição de memória social nesse período foram as fogueiras nazistas, onde se queimavam livros considerados pelo governo alemão como portadores da identidade da comunidade judaica, ou que contivessem ideias contrárias ao seu regime ditatorial. A queima de livros foi um recurso utilizado para “aniquilação intelectual” do povo judaico, sob o qual uma nova humanidade supostamente se ergueria (POLASTRON, 2013).

 Também, percebeu-se que o valor das obras a serem restauradas não era mais tão evidente como no século XIX – preserva-se a antiguidade pois seu valor cultural é inegável, enquanto que o valor da maioria das obras do presente ainda está sendo atribuído. Pinheiro e Granato (2012) apontam que, com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, “[...] a expansão do papel das pesquisas tecnológicas sobre objetos culturais ampliou a prática da conservação [...]”, ressaltando como a explosão tecnológica desse período ajudou para desenvolver a Preservação Documental enquanto ciência.

Na década de 60, outra inovação viria mudar radicalmente o mundo, as relações sociais e o fluxo de informação, assim como a prensa de Gutenberg na Idade Moderna. Seus efeitos não foram sentidos realmente até a década de 1990, e talvez ainda hoje não possam ser completamente compreendidos: a Internet. Criada a princípio como um meio de comunicação militar, a internet ganharia popularidade no final dos anos 1980 e mudaria a forma de viver das pessoas, as transações econômicas e impactaria profundamente as bibliotecas e centros de documentação. Essa nova tecnologia culmina em um paradigma informacional jamais visto, e o rumo da Preservação enquanto ciência e prática se transforma mais uma vez: interdisciplinaridade cada vez maior e cooperativa, que define a área até os dias de hoje.

Não é o intuito deste artigo discutir o contexto brasileiro na vasta história da Preservação Documental, assim como não foram mencionados muitos eventos e marcos significativos em outras partes do mundo. Porém, é válido ressaltar a riqueza e complexidade oferecidas pela Preservação Documental no Brasil, e indica-se a importância de seu estudo.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O homem é, por excelência, um indivíduo que preserva. Culturas e sociedades foram e são construídas a partir da transmissão de tradições – preservação da memória. O profissional que se dedica à preservação se propõe, assim, a um trabalho de grande responsabilidade social. A preservação é determinada, naturalmente, pelo contexto político, cultural e social de sua época e, assim, não é uma ação neutra ou sem consequências futuras. Por isso, é fundamental o respaldo da História e rigor de um método que ofereça condições para seleção crítica do que salvaguardar ou não. Essa abordagem é de tamanha importância pois seus fundamentos e noções:

 

[...] estão ancoradas na aquisição da consciência histórica e no respeito pelos aspectos documentais da obra, de sua materialidade e conformação, como transformadas pelo tempo, como modo de assegurar que os bens desempenhem, de modo legítimo e não deformado, seu papel memorial e simbólico (KÜHL, 2015, p. 57).

 

Neste artigo, constatou-se que cada período da História preservou documentos de acordo com princípios e valores contemporâneos, que por sua vez refletem uma mentalidade coletiva, uma cultura. É possível também observar o desenvolvimento de práticas de cunho preservacionista que, com o tempo, culminaram na formação da disciplina científica da Preservação Documental. O bibliotecário que se dedica à preservação hoje faz parte desta trajetória, enfrentando novos desafios, principalmente referentes à preservação digital. Com efeito, a reflexão histórica sobre a Preservação Documental pode sustentar ações preservacionistas mais qualificadas, tanto do ponto de vista conceitual quanto técnico, além de posicionar o documento em seu quadro temporal, material, simbólico e cultural.

 Novos horizontes e possibilidades de atuação se apresentam. No entanto, não devemos esquecer que o cenário atual existe segundo um contexto histórico amplo. Sob esta perspectiva, percebe-se que o bibliotecário que hoje se dedica à preservação não é substancialmente diferente daqueles que se dedicaram à preservação no passado. Seja utilizando óleos essenciais em rolos de papiro, copiando manuscritos em um scriptorium medieval ou digitalizando acervos de uma biblioteca contemporânea, guardamos a memória que nos define, preservamos a história que nos une e ao mesmo tempo nos separa.

 

REFERÊNCIAS

 

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