Quadrinhos e formação do leitor eterno
Comics and formation of the eternal reader
Cómics y formación
del eterno lector
Pamela Munhoz da Cunha Cassiano
FESPSP
Brasil
Priscila
dos Santos Louro
FESPSP
Brasil
Carla Regina Mota Alonso Diéguez
FESPSP
Brasil
Submetido em: 05/04/2021
Aceito em: 14/06/2021
Publicado em: 28/10/2021
Licença:
Autor para
correspondência: Pamela Munhoz da Cunha Cassiano
Email: pamelamunhoz.cunha@hotmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5719-2582
Como citar
este artigo:
CASSIANO, Pamela Munhoz da Cunha; LOURO, Priscila dos Santos; DIÉGUEZ, Carla
Regina Mota Alonso. Quadrinhos e formação do leitor eterno. REBECIN, São
Paulo, v. 8, edição especial, p. 01-10, 2021. DOI: 10.24208/rebecin.v8i.240
RESUMO
Trata-se de um artigo cujo objetivo é identificar a
influência da leitura em quadrinhos na formação de leitores e como este hábito
se conecta à prática de outras formas de leitura. Para alcançar este resultado,
foi realizada uma pesquisa qualiquantitativa com os
leitores de quadrinhos em dois eventos específicos de HQ. A pesquisa
quantitativa foi realizada no evento Fest Comix (junho/2016) onde foram aplicados 143 questionários
para estabelecer um perfil de leitor. Com base neste resultado, foi realizada a
pesquisa qualitativa no evento Anime Friends (julho/2016) onde foram realizadas
19 entrevistas que possibilitaram explorar os dados intrínsecos das respostas
obtidas pela pesquisa quantitativa. Em ambas as pesquisas foram abordados
adolescentes e adultos que possuem o hábito de leitura em quadrinhos. Conforme
a análise conjunta, pôde-se verificar que o hábito leitor é adquirido pela
socialização (família, amigos, grupos) e está relacionado a uma construção
social, estimulado por pessoas, lugares e interação do indivíduo com o meio no
qual vive. Com base nesses dados, é possível dizer que a “formação do leitor
eterno” se justifica, pois, o leitor de quadrinhos permanece com sua leitura durante
toda a sua vida, sem restrição de idade, sendo permanente e contribuindo para a
leitura de outras tipologias.
Palavras-Chave: História em quadrinhos; Formação do leitor; Ato de
ler; Leitor de quadrinhos; Nona arte; Arte sequencial.
ABSTRACT
The purpose of this
article is to identify the influence of reading comics in the formation of
readers and how this habit can be connected to other reading practices. To
reach this goal, we carried out a qualitative research with comics readers in
two comics and nerd culture conventions. This qualitative research was
conducted during the Fest Comix Convention (on June,
2016), where 143 questionnaires were applied to establish a comics reader
profile. Based on these results, we also carried out a qualitative research
during the Anime Friends Convention (on July, 2016),
where were conducted 19 interviews which allowed us to explore some intrinsic
data from the answers obtained. In both researches
teenagers and adults who had comics reading as a habit were interviewed. With
the analysis of the two questionnaires, we could verify that the reading habit
is acquired by socialization (family, friends, groups) and is related to one's
social construction stimulated by people, places and one’s interaction with the
environment one lives in. Based on this data it is possible to say that the
“formation of the eternal reader” justifies itself, as the comics reader
remains with its reading habit for the whole life, with no age restrictions,
being permanent and contributing to the reading of other typologies.
Keywords: Comics; Reader formation; Act of reading;
Comics reader; Ninth art; Sequential art.
RESUMEN
Este es un artículo cuyo objetivo
es identificar la influencia
de la lectura de cómics en la formación de lectores y cómo este hábito se relaciona con la práctica de otras formas de lectura. Para lograr este resultado, se llevó a cabo una encuesta cualitativa con lectores de cómics en dos eventos de cómic específicos. La investigación cuantitativa se llevó a cabo en
el evento Fest Comix (junio
/ 2016) donde se aplicaron
143 cuestionarios para establecer
un perfil de lector. A partir
de este resultado, se realizó una investigación cualitativa en el evento Anime Friends (julio /
2016) donde se realizaron 19
entrevistas que permitieron
explorar los datos intrínsecos de las respuestas obtenidas por la investigación cuantitativa. Ambas encuestas se dirigieron a adolescentes
y adultos que tienen la costumbre de leer cómics. Según el análisis conjunto, se pudo constatar que el hábito lector se adquiere a través de la socialización (familia, amigos, grupos) y se relaciona con una construcción
social, estimulada por las personas, los lugares y la interacción del individuo con el entorno en el que vive. A partir de estos datos se puede afirmar que la "formación
del lector eterno" está
justificada, ya que el
lector de cómics permanece leyendo durante toda su vida,
sin restricción de edad, siendo permanente y contribuyendo a la lectura de otros tipos.
Palabras llave: Comics; Formación
de lectores; Acto de lectura; lector de cómics; Noveno arte; Arte
secuencial.
No decorrer dos anos, as
histórias em quadrinhos (HQs) vêm atuando de forma presente, embora
timidamente, no meio acadêmico e na educação, rompendo estereótipos e preconceitos.
A princípio eram uma
forma de entretenimento, porém com o passar do tempo, foram tornando-se
instrumento de ensino e aprendizagem, elevando seu potencial para a formação de
leitores, sendo reconhecido e utilizado em diversas áreas do conhecimento por
suas características múltiplas, evidenciando que esse tipo de leitura não está
vinculado a uma determinada faixa etária ou gênero, permitindo abordagens
diversas.
No presente trabalho,
atentamo-nos aos quadrinhos como porta de entrada para o universo da leitura e
seus impactos na formação de um leitor.
Consideramos que os
quadrinhos não só estimulam, como desenvolvem o gosto pela leitura, o qual
possibilita um leque de oportunidades para crescimento e aperfeiçoamento tanto do
leitor iniciante como o leitor mais antigo.
Com este intuito, o
trabalho tem por objetivo discutir a influência da leitura em quadrinhos na
formação de leitores e como este hábito se conecta à prática de outras formas
de leitura, assim evidenciando um possível leitor contínuo e assíduo.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Ler é o resultado de
identificação e de memorização dos signos linguísticos e se antecede a qualquer
tentativa de análise de conteúdo (JOUVE, 2002, p. 17-18), já o ato de ler é o
primeiro caminho para o aprendizado, para leitura e compreensão do mundo, um
processo natural que se desenvolve pela vivência, leitura dos sons e imagens
(MARTINS, 2006, p. 11-12).
Deste modo, iniciamos
nossa trajetória na formação deste leitor e colocamos em destaque nosso
protagonista principal de estudo: “os quadrinhos” ou “HQ” como um meio na
formação de leitores.
Vemos que com o passar
dos anos, os quadrinhos tornaram-se um meio de comunicação de massa adquirido
por diversos tipos de leitores e faixas etárias. O leitor é estimulado a interpretar
as imagens, os tipos de balões, a forma com que as palavras se interpõem junto
à imagem entre outros elementos gráficos visuais e textuais, exigindo uma
compreensão muito mais complexa para decodificar imagens e palavras. Esses processos
psicológicos envolvidos na compreensão da palavra e imagem são análogos, pois
os quadrinhos apresentam uma sobreposição de palavra e imagem, o que faz com
que o leitor exerça suas habilidades interpretativas visuais e verbais. Além
disso, a função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista) é
comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras, figuras e movimento de
certas imagens no espaço, uma vez que para lidar com a captura desses eventos
no fluxo da narrativa, devem ser decompostos segmentos sequenciados (EISNER,
2001, p. 38). Isso torna a história em quadrinhos recomendada não somente para
o letramento ou alfabetização de crianças, mas também para despertar o
interesse por outras literaturas e intelecto dos adolescentes e adultos, embora
este tipo de leitura não seja usado somente para esse fim.
Afinal, o ser humano é um
ser social que sente necessidade de buscar por conhecimento e interagir com o
mundo, e a leitura é um meio de entretenimento prazeroso que nutre e estimula a
imaginação, incentivando o leitor na busca por novos horizontes. Além de despertar
sensações e ajudar no senso crítico, devido a sua linguagem escrita e visual.
Bari (2008, p. 225-226)
observa que o vínculo com a leitura tem origem na família, na formação de hábitos,
na obtenção do prazer, no meio social e que, na leitura, o elemento emocional é
imprescindível.
Em sociedade, a leitura
das histórias em quadrinhos apresenta um texto altamente conciso e informativo,
permitindo o amadurecimento no decorrer da leitura por meio da garantia social
do acesso aos bens culturais contidos nos enredos, além de uma leitura
convidativa, estão inclusas as relações de pertencimento (grupos sociais) na
apropriação desse tipo de leitura, significando que o hábito de ler as HQs também
permite interagir socialmente em determinadas comunidades que possuem a mesma
prática leitora, proporcionando indiretamente a educação formal (escola), não
formal (família, igreja) e informal (interação com o cotidiano); isto aumenta
seu nível de significação que colabora para a troca de experiências entre os
leitores, permitindo ainda mais a apropriação da leitura. Sendo assim, os
leitores inseridos nestes grupos são provocados a ler com mais intensidade por
conta dos fenômenos sociais de convívio, por exemplo: indicações de outras
obras, continuações (sagas) e acompanhar tendências (BARI, 2008, p. 116-119).
Pode-se dizer que houve
uma mudança quanto à mentalidade das pessoas que ignoravam os quadrinhos como
meio de comunicação e arte. Os leitores de gibis, mangás e HQs que sofriam
preconceitos, cresceram e assumiram postos importantes na sociedade como em
escolas, empresas, universidades, indústria do cinema e literatura, agências de
marketing, publicidade e nas redações e jornais. A leitura de histórias em
quadrinhos torna-se ativo importante e, mesmo na fase adulta, permanece assídua
fazendo parte do cotidiano, sendo que o gosto deste tipo de texto não se desfez
com o crescimento, mas se fixou no sujeito se tornando parte de sua identidade
na sociedade (CHAVES, 2016, p. 1).
De acordo com Vergueiro
(2007, p. 10), o mercado brasileiro de quadrinhos nas últimas décadas constatou
que o número de publicações direcionadas ao público adulto aumentou
substancialmente, embora a publicação de títulos para o público infantil e adolescente
seja bastante substancial.
Percebemos por meio desta
viagem pelo mundo do “leitor de histórias em quadrinhos” que este tipo de texto
diferente pode ensinar, entreter e comunicar através de grupos de mesmo
interesse e isso comprova que não há mais idade para ler história em quadrinhos
e que podemos vivenciar esta constante mudança e evolução no meio social.
Enfim, apesar de todos os obstáculos enfrentados até hoje, a história em
quadrinhos é um meio de leitura que tem ganhado espaço no coração das pessoas e
uma maior aceitação na sociedade.
Ranganathan (1931) afirma, que “Todo o livro tem
o seu leitor” e “Todo leitor tem o seu livro” e isso é o mesmo com relação às
histórias em quadrinhos. O leitor apenas precisa descobrir com qual temática
das HQs mais se identifica e aproveitar o seu momento de entretenimento e
aprendizagem.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para compreender de que
forma a leitura de HQs contribui com a formação do leitor, foi realizado
levantamento de dados dividido em duas etapas: a primeira etapa constituiu em
uma pesquisa quantitativa, realizada no evento Fest Comix (2016) e contou com a participação de 143 pessoas; e
a segunda etapa foi uma pesquisa qualitativa no evento Anime Friends (2016), da
qual participaram 17 pessoas.
A pesquisa revelou que
42% dos leitores de HQ leem livros diariamente, dos quais 72% indicaram ler
livros de não ficção. É interessante observar que 79,7% dos entrevistados
apontaram que ler quadrinhos os influenciou a ler mais livros.
O gosto pelos personagens
leva o leitor a busca-lo independente da forma gráfica (texto ou imagem), ou
seja, uma vez que o hábito leitor é inserido, ele é cultivado por meio das
diferentes mídias de comunicação que se valem das mesmas histórias e
personagens em formatos diferentes (cinema, brinquedos, desenhos, TV, jogos,
revistas, etc.), o fator motivacional se dá devido ao conteúdo e a presença em
grupos sociais (Geeks, Nerds e Otakus) que cercam o mesmo
assunto, assim, o formato deixa de ser um elemento tão significativo.
Quando pequenos, nossa
primeira ação é copiar atitudes e atos dos que nos cercam, fazendo-os de
espelhos. Aqui podemos ver a importância de se ler para as crianças, de
levá-las as bibliotecas e livrarias para tornar o ato de ler uma ação cotidiana
e um hábito prazeroso. A pesquisa qualitativa evidenciou esse dado, com os
entrevistados dizendo que os pais (55,9%) liam e/ou traziam HQs para casa.
Além disso, por mais que
a maioria dos leitores de HQs opte pela compra, há potencial para as unidades de
informação o terem como usuários. Foi identificado na pesquisa que 45,5% dos
entrevistados acessam os livros pelas bibliotecas, mas ao mesmo tempo,
indicaram a falta de atualização e conservação das HQs. Se as bibliotecas
investirem mais no acervo de HQs, elas poderão cativar melhor esses leitores, e
como resultado ver o aumento de empréstimos de seus livros.
A influência de amigos
(43,4%) se faz fortemente presente entre esse grupo, pois ao se depara com
outras pessoas leitoras, a troca de prazeres e experiências pode tornar o
hábito da leitura cada vez mais produtivo e prazeroso.
O mercado editorial
também gera grande impacto neste cenário pois, os interesses literários crescem
e amadurecem junto com o leitor e ter uma variedade maior de temáticas contribui
para um consumo constante, fechando um ciclo de influência entre HQ e livro.
Assim, após análise das pesquisas em conjunto,
é possível afirmar que os quadrinhos são um componente importante na formação
do leitor, que se bem cuidado pelo mercado editorial, torna-se um leitor para
toda a vida.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história em quadrinhos
como arte sequencial é produto híbrido, abrange narrativas textuais e gráficas,
exercitando a interpretação iconográfica ao mesmo tempo em que se efetua a leitura
do texto, exigindo mais do indivíduo no processo de leitura.
Com o intuito de
identificar a influência da leitura de HQ e como ela se conecta a outras
tipologias de leitura, foi realizada uma pesquisa quantitativa que evidenciou
que não só de HQ vive esse tipo de leitor.
O questionário qualitativo
veio aprofundar os resultados da pesquisa quantitativa, focado em responder
nosso objetivo de pesquisa: o hábito de leitura de quadrinhos contribui para a
formação de leitores? Ele se conecta à prática de outras formas de leitura?
Identificamos que o
hábito leitor é adquirido pela socialização (família, amigos, grupos) e está
altamente relacionado a uma construção social, pois este hábito não se adquire
do “nada”, ele é estimulado e depende muito da interação do indivíduo com o meio
no qual vive.
Não é apenas o formato
das histórias em quadrinhos, mas também o conteúdo de suas histórias presentes
nas HQs e em todas as mídias de comunicação em massa. Desta forma, constrói-se
o que foi chamado neste trabalho de “leitor eterno”, que a partir do hábito da
leitura das histórias em quadrinhos expande seu universo leitor a outras
tipologias e o ressignifica durante todas as fases de sua vida.
REFERÊNCIAS
AS LEIS DE RANGANATHAN. Disponível em: http://bit.ly/2c1MRoR.
Acesso em: 12 mar. 2021.
BARI, V. A. O potencial das histórias em quadrinhos na formação de leitores: busca de um contraponto entre os panoramas
culturais brasileiro e europeu. 2008. 420f. Tese (Doutorado em Cultura e
Informação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2008. Disponível em: http://bit.ly/2c1PPcY.
Acesso em: 12 mar. 2021.
CHAVES, D. E de repente os
quadrinhos estão fazendo sucesso. Conhecimento
prático: língua portuguesa,
São Paulo, n. 58, p. 1, mar. 2016.
EISNER, W. Quadrinhos e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
JOUVE, V. A leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
MARTINS, M. H. O que é leitura? São Paulo: Brasiliense, 2006.
VERGUEIRO, W. C. S.
A atualidade das histórias em quadrinhos no Brasil: a busca de um novo
público. História, Imagem e Narrativas,
v. 5, p. 1-20, 2007. Disponível em: https://bityli.com/J1en0.
Acesso em: 12 mar. 2021.